O presente do verbo amar é morreste-me.
Ontem. Ainda te lembras? Ontem andámos de mãos dadas pelas
ruas. Não tinhas medo. Nem das ruas. Nem de dar as mãos. Não tinhas medo de
erguer o rosto. Encostavas os lábios aos meus ouvidos. Sussurravas. O que
dizias? Segredos. Meus e teus. E do mundo inteiro que sabia o que dizias,
embora sussurrasses. Olhavas para mim. E eu via o brilho dos teus olhos.
Parecia que abarcavas o mundo no olhar, cada vez que olhavas para mim.
Ontem. Parece que foi há mil anos atrás mas não foi. Foi
ontem. Escrevias o meu nome nas estrelas. Dizias que elas se tinham alinhado
para nós. Inventavas histórias sobre Deuses que nunca foram criados. Dizias que
havia um Deus só para a nossa paixão. Que, algures, tecia a fio de ouro, o
destino que havíamos de partilhar. No melhor e no pior, dizias-me. E eu
acreditava em ti. Loucamente. Cegamente. Como apenas acredita quem, por
manobras desajustadas do destino, ergue os pés do chão e não vê mais do que
histórias de fantasia permeando a realidade. Como raios de sol por entre
sombras numa floresta de treva.
Ontem. Ontem, o presente do verbo amar era
"amo-te". Eu dizia-o. Tu também. E apostávamos que não haveria outra
forma de conjugar o amor que não essa que acontecia num presente perfeito. E,
nas tuas palavras, cheias de poemas e pedidos, eu desenhei eternidades e contos
de fadas. O presente do verbo amar era "amo-te". "Até
morrer", acrescentavas. E tinhas a certeza.
Ontem. Avisaram-me, é claro. Disseram-me que havia palavras
ocas e promessas irreais onde eu lia perfeição. Mas ontem... ontem eu estava
surda de não ouvir ninguém além de ti. E as tuas palavras diziam, em cada
linha, que o mundo lá fora nos pertencia e as pessoas não nos importavam.
Ontem. Loucos. Tu e eu. Idiotas. Senhores de um tempo que
não nos pertencia. Donos de lugares aos quais não tínhamos direito. Ontem.
Irracionais. Incoerentes. Ontem cortámos as mãos em juras de sangue. Abrimos a
ferida. E ela nunca mais vai sarar.
Ontem. Ainda foi ontem, não foi? O teu olhar encontrou
outros mundos. De os abarcar, brilhou mais forte. As mãos desenlaçaram-se. As
promessas quebraram. Foste. Eu fiquei. Presa ao ontem. Não este. Aquele no qual
me tinhas dito que me amavas. Mais do que tudo. Até morrer.
Ainda estás vivo. Fico feliz. Algures. Seja onde for. Seja
com quem for. O teu coração pulsa. Respiras. Tornas o mundo um lugar melhor,
inconsciente de que ontem, apenas ontem, tinhas nos lábios promessas vazias de
tudo.
Ao meu lado, onde morava o meu amor, vive agora a sombra da
morte. Essa que devia ser a única com a força de te roubar de mim. É com ela
que enlaço as mãos.
Tu estás vivo. O amor também. E eu? Sombra de ontens que não
regressam e de um amanhã que não vem. Estás em mim. Mas és só uma recordação
que se esbate nas sobras do passado. Não estás. O presente do verbo amar é
morreste-me.
Marina Ferraz
Estou a sortear um exemplar da obra "Fragmentos de Mim" na minha página de facebook.
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bem legal o testo bem condincente parabens
ResponderEliminarLindíssimo este texto, melancólico, profundo, intenso. Gostei muito!
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