Dói. Como uma ferida aberta no centro da alma. Carcomida
pelo tempo que tenta atingir a memória. Dói. Mãos dadas, perdidas, de dedos
desenlaçados, arrancados, esgotados na demora dos pensamentos. Primaveras e
Verões. Outonos e Invernos. Dói. A vida segue, o mundo avança, tudo muda. Nós
não. Ficamos. O mesmo lugar. A mesma memória. A mesma mágoa. Dói. É ferida que
alastra. Permanece. E o tempo passa. O tempo mói. O tempo não cura.
Foi ontem. Ou há mil anos. Beijo de fogo nos lábios. Risos
prontos. Mãos fechadas noutras mãos. O toque por entre a noite. O desejo. A
partilha incandescente dos corpos suados. O aroma a café, semeado na preguiça
das manhãs de sol. Dói. A memória do sorriso dói. A felicidade dói. Tudo fere
quando já foi e não retorna. A saudade. Medo. Medo de ter apenas saudade, onde
antes se tinha o mundo inteiro. Dói. Como uma ferida aberta no coração
pulsante.
A tua sobriedade. A tua sobriedade inebriada e louca, bebida
de copos vazios. O som seco das promessas feitas nos brindes desajustados. O silêncio
dos corpos dados. O grito da vontade carpida de viver. Dói. Perplexidade.
Abandono. O ontem que se somou ao passado plural das minhas mil vidas. Dói. A
ferida vai corroendo o tecido saudável do eu. Eu sou. Eu fui. Eu era. Quem?
Dói. O desvanecer das ilusões. Da realidade. Do sentido. Dói. O tempo. Diz.
Repete. Intitula. Enlouquece. O tempo passa. Tic-tac. Dói.
Linhas. Linhas traçadas sobre a mesa. Sobre a cama. Linhas
no céu. Linhas nas mãos. Linhas. Linhas passando o fino espaço da agulha,
tentando remendar o que não tem arranjo. Eternidade. Falha. A falha da linha. O
toque ritmado do outro lado. Do adeus à ausência. Desistência pura. Dói. O teu
toque que me falta, misturado no toque intermitente e compassado que insiste
sem resposta. Dói. Linha desenhada. Palavra. Texto. Poema. Dói.
Inacabado. Este. Esse. O outro. Todos eles. Inacabado como
nós. Assino. Data. Hora. Descrição. Não sei quem sou. Qual é o dia. Que números
apontam os ponteiros. Dói. Dóis-me. O tempo passa. O tempo mói. O tempo não cura.
Dói. Chávena de café vazia. Ao sol. Sem o abraço da mão. Sem
beijo tecido. Só com memória. Memória de café. Memória de sol. Memória.
Saudade. Dói. Quero beber um copo de morte. Perder a tua sobriedade. A memória
louca do que o tempo não pode curar. Leva. Leva-me. Basta. O tempo. Pergunta.
Resposta. O tempo.
O tempo não é um poema. A dor é. E dói. Poema. Ilusão.
Saudade. Olhos abertos. Semicerrados. Fechados. O suspiro. Último. Fumaça de
anteontens. Despedida. Dói. Doeu. Doía. Agora já não...
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Extraordinário! Extremamente sofrido, sentido...Parabéns! Venha mais!
ResponderEliminarMarina termina o agosto com este dodoi gostoso que alastras as almas em valores afetado a feridas de saudade...que corroi ao tempo...assim vais lavrando lacunas desta poesia eluzitada... Marina Ferraz poeta das divercidades temperamentais Amoooo
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