Não é porque te deixei entrar novamente na minha vida que te
dei o direito de vasculhares cada recanto de mim à procura do pedaço de poeira
acumulado sob o qual o teu nome foi há muito tempo escondido. Já não te amo.
Devias saber isso. Devias sabê-lo como quem sabe, no toque do despertador, que
o sono vai perder a luta contra a necessidade de te ergueres para começar o
dia. E devias sabê-lo porque foste tu que mataste o amor. Depois de o
torturares até ao limite das suas capacidades. Depois de retirares dele todo o
proveito que te foi possível. Foste tu
que o agarraste pela mão, que lhe cortaste o pulso, que o deixaste a
sangrar na calçada dos teus anseios.
Deixo-te entrar novamente da minha vida. Mas não te deixo
entrar para lembrares as paredes do tempo das ruínas. Deixo que entres para que
vejas tudo o que foi limpo, arrumado, construído e recriado das cinzas. Deixo
que entres para que compreendas que pertenço apenas a mim mesma e que, neste
amor por mim, já criei de raiz muitas histórias e muitos quadros feitos a suor
e sangue, onde não foste coautor e sobre os quais não tens qualquer direito.
Não é porque te deixo, agora, entrar novamente na minha
vida, que quero que estendas o convite para a noção de que te quero no meu
quarto, na minha cama, dentro de mim. Quero que percebas que o teu lugar já não
é no meu centro mas tão só no lugar onde ficam aqueles que perderam já a chance
de permanecer na linha da frente da descoberta de mim. Ou ficas nas bancadas, ou
vais. Tanto faz! Mas não penses que podes cerrar caminho para chegar ao meu
coração. Ergui, em seu redor, muralhas de descontentamento. Feitas para vedar -
não o amor - mas a tua influência.
Deixo-te entrar novamente na minha vida. Mas não deixo que
te deslumbres com os seus ouros e cristais a ponto de julgares que és também
ouro fino ou cristal luzente. Não te minto: em tempos foste. No tempo em que as
paredes eram negras. E as janelas estavam fechadas. E os meus pés estavam
presos à falsa noção do que o amor nunca foi. Deixo-te entrar para que saibas
que cresci e que o espaço do meu eu cresceu comigo. Deixo-te entrar para que
entendas que o perdão que te estendo não é tecido nas linhas da amnésia. Sei,
de cor, onde fica cada cicatriz... e sei como foi difícil fazer cicatriz da
ferida que teimava em não sarar.
Não é porque te deixo, agora, entrar novamente na minha vida
que quero que minimizes o tom do silêncio que veio entre o amor e o regresso da
palavra. Aquele tempo no qual nada ouviste de mim... não... não estava a tentar
esquecer-te! Estava a tentar sarar as feridas da tua presença. Esquecer-te não
foi intenção. Foi consequência. Mas só então as feridas sararam. Só então os
muros se ergueram. Só então fiz das sobras de mim consciência do tanto que eu
podia ser. Claro: Foi pena. Cada ferida aberta. Cada queda no caminho. Foi
pena. Mas da pena fiz asa e, com ela, voei.
Hoje sou mais. Tanto. Tanto mais do que deixaste. Tanto que
sei que posso deixar-te, sem medos, entrar novamente na minha vida. Porque já
não o és. Já não és a minha vida. És apenas uma pessoa que amei e me feriu.
Porque sou maior do que era quando me julgava tua, tenho um espaço para ti. Mas
ele é só do teu tamanho. Não tem o tamanho dos teus desejos, da tua loucura ou
do teu ego. Nele, cabes apenas tu. E o que fazes desse espaço que te dou, é
contigo. Podes valorizá-lo, apreciá-lo, ignorá-lo ou destruí-lo. Faças o que
fizeres, preciso que saibas. Não podes destruir o resto... Não é porque te
deixo, agora, entrar novamente na minha vida que fecho a porta à tua saída. Se
quiseres ir, vai. Honestamente, não me importa que vás. Não me importa como
vais. O que me importa é como eu fico. E, desta vez, fico de pé.
Marina Ferraz
Que texto lindo Mah,é incrível a capacidade de superação do ser humano,que mesmo com tantos motivos para chorar e sofrer,consegue se reerguer com tamanha grandeza.Há uma frase de Caio Fernando Abreu que diz "Eu cuido, corro atrás, peço desculpas me importo mas quando eu desisto, pode crer, meu desapego é pra sempre!",por isso não devemos nos prender à pessoas que não saibam valorizar nosso amor,e aprender quando dar um basta a uma relação em que um ama por dois.
ResponderEliminarAmeii :D <3
Beijinhos Jenny ^.^
Nossa,eu passei por um caso igualzinho um tempo desses,e ter deixado ele partir,não permitir que ele voltasse a entrar e destruir tudo em mim,foi uma das melhores coisas que fiz na vida.Apesar de ter ficado muito tempo triste,achando que a culpa era minha,recebi um conselho muito sábio de uma amiga,ela disse que se ele não sabia cuidar do amor que eu tinha para dar,a culpa era dele,porque um jardim não floresce se não tem os cuidados certos.
ResponderEliminarHoje,estou bem mais feliz,e entendi que às vezes a coisa certa é dizer adeus.Seu texto me deixou muito bem,se eu tivesse lido naquela época com certeza seria menos doloroso do que foi,mas há algumas experiências que precisamos viver :)