Lembro-me concretamente das palavras que alguém disse à
minha mãe: "Estás a criar um monstro."
O Monstro era eu.
Naqueles tempos, eu ainda era feliz. Não me lembro de não o
ser. No canto poeirento da minha solidão, eu tinha castelos e amigos
imaginários. Voava. Era uma sereia. Era uma fada. Era um universo tão cheio de
coisas que não me apercebi. Não sabia que, por entre a fantasia e a ilusão, me
podia estar destinada a mágoa. Não sabia que era um monstro.
Eu não sabia. Mas alguém soube. Disse-o à minha mãe. E ela,
que me amava, discutiu mas não contradisse. Também sabia. Talvez soubesse
porque, no fundo, éramos o mesmo tipo de monstro. Ou talvez o soubesse porque
via em mim os traços que me afastavam do resto do mundo. Fosse como fosse, antes
de eu saber, os outros já o diziam.
O Monstro era eu.
Nos lugares onde passei, ouvi-o. "Pareces um
monstro", disseram-me alguns, em palavras que não estas. Disseram-mo
enquanto troçavam da minha aparência, das minhas dificuldades, das minhas
manias e dos traços que me faziam ser eu. As palavras mudavam mas a mensagem
era essa. "Pareces um monstro". Atiravam-me as esperanças do amanhã
para o fundo do poço. Varriam-nas para debaixo da cama. Tentei explicar mas
troçaram também da explicação, por julgarem que o vazio morava nos traços das
explicações. Ninguém ouve as palavras de um monstro.
Cresci. Crescer significou olhar ao espelho e ver o que me
diziam que eu era. E tentei dizer a mim mesma: "Além de monstro, és
pessoa. Não desistas de ti." Mas, em alguns momentos, desisti. Tentei
loucamente ser como os outros. Tão loucamente que a loucura soou e se disse por
aí que a minha estranheza me fazia ser um sem fim de coisas. Todas as coisas
reduzidas, nos meus ouvidos, à mesma palavra de sempre. Monstro.
O Monstro era eu.
O meu coração tornou-se o meu melhor amigo. Disse ao meu
coração, muitas vezes: "o amor vai resolver tudo." Acreditei
profundamente nisso. Mas o amor não foi mais do que uma estrada para lugar
nenhum. Apaixonei-me. Vezes sem fim. Na maioria das vezes, não houve quem
retribuísse o que eu sentia. Houve apenas quem fizesse de mim criança outra vez
e se risse no meu rosto.
Mas vivi o amor. Viver o amor significou cair. E imprimiu-se
na minha pele. A dor. A mágoa. O abandono. A saudade. No espelho, devolvia-me o
olhar alguém que não sabia sorrir. Alguém que não sabia sonhar. Alguém que não
queria desistir do que sentia. Presa. Atada ao solo da realidade mais sórdida.
O monstro precisava de amor.
O Monstro era eu.
Amanhece todos os dias, para toda a gente. Em alguns dias, o
sol também nasceu para mim. Também me beijou. Fez-me sorrir. Descobri que há
quem ame. Até os monstros. Houve braços
que me envolveram, mesmo sabendo quem eu era. Sim... algures, alguém descobriu.
O monstro tem coração. Um coração que bate e sente e sofre. O monstro também é
pessoa.
Toda a gente mo disse mas ninguém o sabe.
O Monstro sou eu.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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A descrição fez-me sentir monstro,mas creio que todos carregamos em nós um pouco disto.E as pessoas pensam que não sentimos,que não ligamos,quando isso nos corrói.O monstro é todos nós,e um pouco de cada um há um monstro esperando para aparecer.
ResponderEliminarTexto incrível,estou curiosa por saber a que se deve a mudança de nome no blogue,viu ;)
Amei <3
Beijinhos,Jenny ^.^
Já usei tantas vezes esta expressão :-(
ResponderEliminarQuerido monstro, finalmente encontrei uma irmã. Que bom saber que afinal não estou sozinha. Ainda me lembro das palavras de uma vizinha: " Eu achava que tu não eras mesmo normal" etc etc e não foi só a vizinha e houve mais palavras. A dor foi me acompanhando e maltratando... às vezes vinha de quem mais amava.
ResponderEliminarHoje olho para trás e até para o passado recente e digo:_ Que se lixem quem não vê com os olhos do coração e se é para viver, pois que seja com emoção!
Adoro-te mana monstrinhos!