Disseste, e passo a citar: “ninguém gosta de passar tempo
com uma velha!”. E eu, que nunca diria esta frase, fiquei a pensar sobre ela.
Eu era pequenina. Naquele tempo em que até a memória nos é
escassa e o tempo parece uma eternidade. Dessa época guardo memórias esbatidas
e imperfeitas, como se houvesse nevoeiro entre acontecimentos e vivências. O
que lembro claramente? Lembro o calor, o colo, o carinho. As horas passadas ao
redor de brincadeiras e canções e sonhos. Quem estava lá, nessas memórias, não
era “a velha”. Era a minha segunda mãe, embalando-me, protegendo-me,
acarinhando-me.
Mais tarde, veio a escola. E foram muitas as horas de
estudo, em redor dos deveres, que se articulavam com ensinamentos de vida.
Aprendi a somar, a subtrair, a multiplicar (e, mais ou menos, a dividir).
Aprendi a escrever. Aprendi que não se deixa para amanhã o que se pode fazer
hoje. Quem estava lá, nesses momentos, não era “a velha”. Era a minha
educadora. A minha mentora. A professora paciente e incansável.
Com a escola, que avançava, viera as agruras da vida. Dos
colegas que troçavam, dos rapazes que não me ligavam ou ligavam demais. E foram
muitos os conselhos: “Isso é tudo por inveja!”; “Tens tempo para namorar, agora
estuda para um dia seres alguém!”; “não há amigos para sempre!”; “não gosto de
te ver triste!”. Tantas frases. Tantas palavras. Tantas certezas. Nessas horas,
quem estava lá não era “a velha”, era a minha conselheira, o meu ombro, a minha
força.
Depois da escola e de todas as suas – muitas – agruras, veio
o trabalho. Com ele, a distância. Mas, todos os dias, há as palavras, as
chamadas. Seja um dia bom ou mau, todos os dias, do outro lado da linha,
encontro força e conforto. Cada chamada é como chegar a casa. Cada chamada é
uma respiração profunda a aquecer a alma e a torná-la mais leve. Apenas com a
voz de ternura e parcas palavras trocadas, sinto que o peso do mundo sai dos
meus ombros e que o dia melhor está ali, na esquina, à minha espera. Cada
chamada me acorda a criança que vive dentro com a história de encantar que mora
num beijo de boa noite. Do outro lado da linha quem está não é “a velha”, é uma
das minhas melhores amigas, a trazer-me força e a fazer-me sentir especial.
Talvez ninguém queira passar tempo com uma velha. Mas tu não
és "uma velha". És um Universo de coisas, de momentos e de sentidos. E, contigo,
se pudesse, eu passaria cada segundo da minha vida!
Marina Ferraz
Sigam também o meu instagram, aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário