Há gente. Há pessoas. E pessoinhas. E pessoinhas que se
acham pessoas. E pessoas que se acham gente. E gente que é gente. Para destoar.
Todos sabemos como é.
Na maioria das vezes as pessoas vão. Cumprem horários
vastos. E seguem linhas detalhadas. Montadas. Disseminadas. Cuidadosamente
tratadas e esmiuçadas. Pelas pessoinhas que se acham gente. E algumas que se
fizeram gente. À conta da determinação das pessoas. Da gente. De quem precisa
de pão na mesa. Ou de viver.
Às vezes, gente que é gente pede esmola na rua. Ouvi,
senhores do alto, as preces. Da gente. Da gente que é gente e que tem a
gentileza de pedir… porque roubar é viver da esmola gananciosa do que não nos
mata a fome. As pessoinhas fazem festas e entram nos círculos mais elitistas.
Comem para matar a gula. Engordam para encher as roupas. Cortam o que
adiposamente se amontoa debaixo das peles para pagar a dívida da vaidade. E
criam regulamentos. Nas horas vagas, entre a festa e o luxo.
Fazem cópias do regulamentado. Porque a lei é lei. Desde a
Grécia. Desde a democracia. Demo. Cracia. A lei é a lei. Das horas de trabalho
escravo, que somadas às assalariadas ainda não fazem um dia. Mas por sorte. Ou
jeito. Ou defeito. Ninguém é louco de pedir vinte e cinco horas num dia. Mas o
mundo é das pessoas que dão. A mais. Porque quem dá o que deve, dá pouco. E
quem dá menos morre de fome.
Escalam-se degraus, deixando pedaços de moralidade atrás das
costas. Porque pesam. E a escadaria é alta. E não é pior escrever o regulamento
do que seguir-lhe à risca as regras. Até porque a vista cansa e o mais
importante vem sempre nas letrinhas pequenas do fundo da página três mil. Às
vezes é gente que começa a subir a escada. E quer-se crer que gente chegará ao
topo, para que seja justo. Mais justo. Equilibrado, ao menos. Melhor?
Chega ao topo a pessoinha. E, ao fim de pouco tempo acha-se
gente e esquece-se do tempo em que de mãos estendidas pedia esmola e se
oferecia para ser escravo na base menos estruturada das pedras de calçada
empresariais.
Há gente. Há pessoas. E pessoinhas. E pessoinhas que se
acham pessoas. E pessoas que se acham gente. E gente que é gente. Para destoar.
Todos sabemos como é.
Sabemos mas não sabemos. Porque não querem que saibamos.
Está nos regulamentos. Façamos silêncio. É o que dizem. Mas calados. Porque
dizê-lo pode ofender.
Hierarquia.
Hierar. Quia.
Hierarqu. Ia.
Ia. Até ia. Mas não
vou.
Tenho medo de subir os degraus. E de deixar de ser gente. E
de passar a achar que o sou. Parece triste, olhando de baixo. Porque se acham
sol. E só fazem sombra.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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