Um frio que me entorpece. Beijo de água na pele. Beijo de
sal na pele. Sorrio. Sorris de volta. E eu sinto a alma gritar. Será que vai
ser sempre assim? Pergunto e ninguém responde. E há o frio. Que me entorpece.
Beijo de água na pele. Beijo de sal na pele. Para que nela não cresçam agruras
e cicatrizes.
Tenho saudades tuas. Aqui ao lado. Haja quem entenda. Tenho
saudades tuas.
Apetece-me fazer tudo o que eu não faria. Para me esquecer
de que eu sou eu. Porque esse “eu” que te ama tem de encontrar em si um “eu”
que não te ame. E não é fácil. Descubro, nos trilhos que eu não trilharia, que
não só amo o caminho como amo as tuas pegadas e as nuances de Natureza que me
recordam de ti.
Estás em toda a parte. Assombrando as águas e as marés. E os
caminhos de terra. E os caminhos de alcatrão. Fumegando na cidade recheada de
barulhos metálicos. Ouço-te, feito canção, e odeio tudo o que escrevo. Porque
saltas nas palavras, carnívoro e canibal, alimentando-te das pontas dos meus
dedos. Sinto-me roubada nas palavras. E odeio as palavras porque todas são o
teu nome. E todas soam ao eco imortal do amor quente da tua voz. Nesse último
“agarro” que se sumiu nas minhas noites.
Tenho saudades tuas. Aqui ao lado. Haja quem entenda. Tenho
saudades tuas.
Em alguns dias, a solidão tem a tua forma. E noutros não tem
forma que se descreva. Entre uns e os outros não existem dias. Apenas negrumes
imaginados sobre o que o futuro podia ser e não é. Escrevo milhares de notas de
despedida na minha cabeça. Passatempo imoral, aos pés de quem me quer bem. E,
ainda que mentalmente, rasgo as notas e a ideia de partir. E vou ficando, como
ficam os restos no canto do prato depois do banquete. Quando tudo é sujidade e
trabalho, misturado com cansaço e melancolia. Vou ficando. E nunca é por mim.
Anseio pela partida que não reclamo. Imagino-a como o único
dia feliz que terei de agora em diante. E sei que é irracional. Mas é difícil
ser racional quando metade de nós é dor e a outra metade se foi. Ficou um frio
que me entorpece. Até nas ondas dos lençóis da única metade da cama que se
desfaz. Até nas ondas do mar. Amantes frias. Que me beijam a pele saudosa e infiel.
Essa pele que me trai com a necessidade de ti. Contigo ao lado e do outro lado
do mundo.
Tenho saudades tuas. Aqui ao lado. Haja quem entenda. Tenho
saudades tuas.
Como quando não estás.
E quero agarrar-te num abraço. Desligar nele a humanidade
tardia. E nunca mais ser.
Entorpecer neste frio. Pele de água e sal. Desaparecer neste
frio. Deixar que me gele até o coração. Para não doer, ao menos por um
bocadinho.
Para poder sorrir-te de volta. Quando me sinto morrer.
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duas vivas, uma para o belo texto, outra para o layout.
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