Fotografia: Miguel Pião
A lua não tem lugar num céu que chove. Foi isso que me
disseram. Antes de me pedirem que me despisse. De roupas e de lágrimas. Para
que a essência lunar me saltasse da pele. E eu pudesse fechar os olhos.
E eu despi. O corpo de roupas. O rosto de lágrimas.
Abandonando a ideia de que elas ainda caíssem por dentro, vestindo-me de dor. E
fechei os olhos. Porque queria ser. A lua. Essa que, olhando para baixo, hoje
abana o rosto, fazendo os mares dispersos chorar, também por dentro e sem água.
Fechando os olhos, na esperança de me encontrar, descobri
que a minha essência não sou eu. Lá dentro, povoando-me as veias carentes, onde
o sangue corre mais morno; existe a memória de tempos passados, onde vibra uma
menina - hoje morta - que em tempos fui.
Há muitos nenúfares nas águas do meu choro interno. Nas
margens das lagoas pardacentas e salobras, de águas turvas; seres sem nome nem
história velam por mim. Cantam elogios fúnebres. E eu, morro, acordo e volto a morrer.
Dentro de mim. À procura da essência que me foi destinada e que se ancora a
muitos silêncios e solidões.
Dentro de mim, relembra-se o toque da luz na pele. Quando a
pele tinha dedos alheios e somas de perfeição ambulantes, que se fixavam nos
lábios, sob a forma de um beijo quente, que era tudo e nunca bastava. Dentro de
mim, relembra-se o toque da visão profunda que se tinha de olhos fechados. Sonatas
lunares de Bethoven, ecoando pela casa e deixando dormentes os espaços entre
mão e mão. Uma dança entoada. Na forma de um “amo-te”. Eterno. E morto também.
Fechando os olhos para descobrir a essência, nessa esperança
louca de me encontrar algures; eu fico a saber. A minha essência não sou eu. Há
mais morte em mim do que nos campos de batalha. E, por dentro, é isso que eu já
sou. Mesmo que a luz me beije a pele de mulher, insistindo que estou viva. Por
dentro, é isso que eu sou. Reflexo. Da morte.
Mas dispo. Não tenho ilusão nem pudor. Nem ilusão de pudor.
Nem pudor na ilusão. Tudo o que tenho é isto. Corpo despido de roupa. Olhos
despidos de lágrimas. E morte dentro de mim. Escuridão e penumbra. Pontos de
luz que relembram o passado. Tu. O passado. O passado de um verbo. Amar. Eu
morro. Tu foste. Ele sabe. Nunca mais. Eles falam. Eles dizem. Despe. Procura.
A essência. Nós tentamos. Eu morro. Tu foste. Eles estão errados.
A lua não tem lugar num céu que chove. Foi isso que me
disseram. E eu despi-me de chuvas. Procurando a essência lunar do meu peito
carente, onde não há nada nem espaço para nada além de ti. Todos os meus tempos
são passados. Menos tu. Que és eterno. Como os limites matemáticos que tendem
para infinito e que são incalculáveis, inimagináveis e incompreensíveis.
A lua não tem lugar num céu que chove. Invejo-a. Eu não
tenho lugar. Nem no céu que chove. Nem no céu que brilha de sol vero. Nem em
mim.
Então, despi. O corpo de roupas. O rosto de lágrimas. Porque
queria ser. A lua. Fechando os olhos, na esperança de me encontrar, descobri
que a minha essência não sou eu. Perscrutando na escuridão dos olhos fechados
que choravam só por dentro, eu tentei ver além da morte e do seu véu negro, à
minha procura. Incapaz de acreditar que, ali, apenas a morte vivesse.
Olhei a morte nos olhos, com os meus fechados. Rasgando-lhe
o manto, rasgando-lhe a opacidade, eu vi. A minha essência. E descobri. Eu não
tenho espaço. Não tenho espaço no céu que chove. Não tenho espaço em mim.
Porque tudo o que sou é coração. E, dentro dele, só cabes tu.
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