Fotografia de Mauro Hilário
Olá, eu não sou o Covid-19 mas
corro o risco de, pelo final deste texto, te fazer sentir febril ou com falta
de ar. Porque outra coisa que eu não sou é uma mente optimista, a pintar
arcos-íris na janela e a dizer que vai ficar tudo bem. Então, se a ilusão é o
teu objetivo, peço-te: não leias o que eu tenho para dizer.
Eu sou uma pessoa comum. Que, como
todas as pessoas comuns, tem família e amigos e vida social. No meu núcleo mais
próximo, existem pessoas muito afetadas pela situação, em termos económicos;
pessoas que se encontram num verdadeiro estado de pânico com a situação;
pessoas que estão a lidar muito mal com a necessidade de se manterem fechadas
entre as quatro paredes da casa. E eu, que sou uma pessoa comum, não sou uma
delas. O facto de não estar – pelo menos por agora – numa situação de
desemprego; de não sentir medo profundo de ser contagiada; de estar previamente
habituada às quatro paredes – não muito firmes – da minha casa; coloca-me numa
posição privilegiada para fazer algo bastante simples: olhar.
Na minha praceta veem-se passar
algumas pessoas. A janela da minha sala dá diretamente para uma pastelaria que
continua a vender pão e, por vezes, há fila. Entre as pessoas, cumpre-se o
espaço de segurança e a maioria das pessoas usa luvas descartáveis e máscaras.
No chão, junto aos contentores que ficam a meio caminho entre a minha casa e a
pastelaria, as luvas estão caídas. Nas janelas, em redor da praça, as pessoas
penduram roupa, esteja sol ou não, incluindo cobertas pesadas e almofadas que indiciam
limpezas de Primavera e tédio. Em algumas marquises, colam-se desenhos
infantis, provavelmente feitos nas mãozinhas inocentes das crianças da casa,
com arcos-íris. As redes sociais espalham notícias. Umas são verdade; outras,
mentira. Algumas são brincadeiras claras e, mesmo nessas, existe quem acredite.
Por entre a realidade da minha
praceta e a realidade da Internet, surge a verdade de quem trabalha em áreas
bem específicas e nos dá conta dos números. O número de infetados (que não é
real porque escasseiam testes), o número de mortos, os números do PIB deste e
daquele país. Mentes iluminadas garantem que é possível que o tempo de
isolamento venha a provocar uma recessão pior do que a de 2009 mas dizem isto
com mil e uma ressalvas sobre tudo o que ainda não se sabe.
Retiro, dos medos das pessoas no
meu núcleo, sejam eles sobre saúde ou economia; das palavras dos especialistas;
dos números dos jornais exatamente o mesmo: ainda não se sabe.
Eu não sei, pelo menos.
Não sei quando vou poder voltar a
beijar a minha avó no rosto e a dar-lhe um abraço.
Não sei quando poderei dar a
prenda de anos ao meu sobrinho.
Não sei quando poderei sentar-me
para celebrar um evento em família na mesa de casa dos meus pais.
Não sei quando poderei subir
novamente ao palco para defender os meus poemas, sob o olhar atento e contente
dos meus amigos.
Eu não sei.
Não sei se os meus amigos do mundo
da música vão conseguir manter os seus trabalhos quando isto acabar ou se terão
dinheiro para se sustentarem e às suas famílias até poderem voltar aos seus
trabalhos.
Não sei se os projetos que tinha
para lançar este ano não vão ficar na gaveta até ao ano que vem (ou para
sempre).
Não sei se o abalo económico que
os meus clientes vão sentir não vai fazer com que cortem no que é dispensável.
Não sei se eu não sou dispensável.
Eu não sei.
Parece-me algo ridículo ler, aqui
e ali, que vai ficar tudo bem. Também me parece ridículo ler, aqui e ali, que
não vai ficar tudo bem.
Bem… vai ficar tudo de alguma
maneira, isso é certo! Mas falta saber como.
Pouco se sabe sobre o vírus e nada
se sabe do futuro.
Querer saber o futuro sempre foi e
há-de ser a nossa febre. Não saber o futuro sempre foi e sempre há-de ser o
nosso maior sufoco.
Eu não sei. Não sei se vai ficar
tudo bem. Imagino que, para milhões de pessoas, ficar tudo bem já nem sequer
seja uma possibilidade.
Eu não sou o Covid-19 e acho que
não estou infetada por ele. Mas sou uma pessoa comum. E as conjeturas, as
frases feitas e as alucinações teóricas humanas são uma grande parte do que,
neste momento, me está a deixar doente.
Não, amiga, não vai ficar tudo bem coisíssima nenhuma. A tremenda recessão está já a fazer cair vítimas umas atrás das outras e o pior ainda vem a caminho. Empresas de vacinas estão a aproveitar a boleia não apenas para fazer disparar os lucros, mas tb para fazer passar um novo tatoo que implanta dispositivos de controle. A arquitectura da opressão espalha-se e aprofunda-se aproveitando o medo generalizado. É o mundo que temos. Este é que é o verdadeiro monstro (que nada tem a ver contigo, evidentemente). Fica bem, na medida do possível.
ResponderEliminarQuem me dera estares errada...
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