Fotografia de Analua Zoé
Disseram-me que eu queria um amor
de conto de fadas. Desculpem. Não. Já não. Agora não. A última coisa de que
estou à procura é de um amor de conto de fadas.
Eu tive um amor de conto de fadas.
Daquelas narrativas meio desenhadas, onde não temos a certeza se saltámos o
ecrã e tomámos forma animada, num universo onde os ratinhos nos calçam os
sapatos e os passarinhos nos penteiam os cabelos.
Nesse meu amor de conto de fadas,
tudo começou com canções. Elas entravam pela janela aberta na tela do
computador. E inebriavam os olhos que marejavam, sorvendo a água das nuvens e
fazendo raiar o sol pelas frestinhas do vidro, de onde pulavam arcos-íris,
quarto dentro.
O meu amor de conto de fadas
beijou-me numa noite de fogueiras acesas na praia e numa noite onde rebentaram
cores dispersas pelo céu noturno, em fogo-de-artifício. Nessa noite, para nos
ver, até a lua se chegou um pouco mais perto da Terra, como não fazia há
séculos e, por séculos, tornará a não fazer.
O meu amor de conto de fadas
entrou na minha vida com as mãos vazias mas de coração pleno e olhos cheios de
mar. Disse-me que todo o nada que tinha se enchia com a esperança de ser meu.
Então, encostados a um símbolo papista e de olhos postos num mundo pagão, com
vistas até ao infinito esclarecedor do mar e sobre as copas de mil árvores, ele
pediu-me. Tinha trejeitos de criança na voz, como se temesse, mas um jeito de
príncipe encantado, banhado de sol e sombra, na tarde mais quente do ano. E eu
dei-me. Completa. Sem pôr medidas e sem fazer planos de contenção para o caso
de tudo correr mal. O sol aquecia o ar e a paixão aquecia as veias. Arrefecemos
nus, algures, numa cama aos pés de um Palácio de Pedra.
Avançou a história do meu amor de
conto de fadas. Os sons de canção passavam por debaixo das portas e pelas
fechaduras. Era um musical feito pelos melhores produtores do mundo. A
encher-me a vida e o peito. A permear cada pedacinho meu. Princesa encantada no
reino da dívida fácil, paga de bom grado com mãos desertas que sabiam que a
plenitude residia noutras mãos.
Deuses. As mãos. Se não se davam
aos pianos e às cordas de guitarra, davam-se às minhas. E era tudo o que um
conto de fadas pode ser. Mas, vocês sabem, não há conto de fadas sem enredo nem
enredo sem desgraça. Todos os romances sem intriga poderiam ser apenas uma
receita de bolos. E, por isso, um amor assim teria dias escuros e negros.
Sombrios e desesperados. Por entre eles, só a esperança de que os protagonistas
não sucumbissem às trevas.
Somos humanos. Não podemos deixar
de sucumbir ao que, tão concretamente, trazemos dentro. Lutei contra fumo. E o
fumo dispersava à minha volta. Prendia-se às minhas roupas. Aos meus cabelos. À
minha pele. Havia mares de inverno nos olhos que, outrora, me tinham sido doces
e a sua mágoa gelava-me a alma e fazia-me sentir que o vilão era eu.
Um dia, percebi que os amores de
contos de fadas terminam no momento da união por um motivo. Há histórias que
não devem continuar além do clímax da sua felicidade. Mas somos humanos. Não
podemos terminar a história encostados a um símbolo papista e de olhos postos
num mundo pagão ou enquanto arrefecemos nus, algures, numa cama aos pés de um
Palácio de Pedra. Então, aceitamos que, lá à frente, vamos morrer muitas vezes
às mãos do amor. E cada fim é uma morte, de onde não renascemos inteiros.
É que os contos de fadas são
histórias irreais e nós somos humanos. Nós somos humanos e feios. Reais como o
mundo.
Desculpem. Não. Já não. Não quero
um amor de conto de fadas. A última coisa de que estou à procura é de um amor
de conto de fadas. Desta vez, para variar, gostava de um amor de verdade.
A fantasia é, de certo modo, inseparável do amor.
ResponderEliminarUma pitada de conto de fadas pode temperar um amor verdadeiro. Q.B.
Muito bom Marina =)