Penso que estamos a voltar à Idade Média. Sem monarquia e autos de fé, por agora, mas com outro tipo de reis e seus bobos, que lhes entretêm os estômagos cheios para que ignorem o povo pedinte.
Entrámos na máquina do tempo, com discursos políticos falsamente indulgentes, que nos motivam a acreditar que se perderam valores em nome da liberdade. O que nos dizem, com estas palavras – mas sem as dizer - é que querem que abdiquemos da liberdade em nome dos valores. Mas os valores, que tão definitivamente se comunicam como certos, são certos apenas para alguns. Para aqueles que, abrindo os estratos bancários, têm mais do que três dígitos na conta. Para aqueles que nasceram ao norte de uma linha imaginada no mundo. Para aqueles cujo tom da pele é claro e a sexualidade é normativa. Esses “normais” que continuam a sublinhar a mesma visão curta, sem verem que são, na verdade, uma minoria.
Nas ruas. Olhem bem. Até as epidemias voltaram. Usam agora o selo da novidade. Lê-se, nos supermercados, que se trata do “novo Coronavírus”. Questiono-me, honestamente, se eles seguem os mesmos valores notícia que me ensinaram e segundo os quais a atualidade é o que acontece neste instante e não o que já se perpetua há quase um ano. O selo da novidade, claro, acumula-se com o prefixo “pan” – pandemia - que nos tenta recordar de que o mundo é uno. Assim se criam os discursos políticos falsamente abnegados sobre a forma como todos estamos no mesmo barco. E estamos, provavelmente, um bocadinho como todos estavam no Titanic: uns em quartos de luxo e outros a dormir com os ratos; todos na direção do mesmo iceberg, que não é uma pandemia mas uma cegueira coletiva que nos está a levar direitinhos a um lugar pior do que a morte. Lembremos que o Titanic era “um barco inafundável” e que, agora, “vai ficar tudo bem”.
A Idade Média
está à porta. Pagamos o tributo dos senhores sem questionar. Envoltos na
narrativa de tantas vozes sobre como cada dia é uma luta pela sobrevivência,
vemos o dinheiro ir e não sabemos para onde. Sabemos só que não dá para viver
sem ele. E raramente pensamos que, se o mundo não reduz a quantia de dinheiro
que existe e ela não está nas nossas mãos, deve estar nas mãos de alguém. Não
sabemos de quem. Porque estamos ocupados a contar os trocos que sobram no
banco, enquanto esses poucos alguéns nem notam se existe mais ou menos um
milhão na conta. Não lhes faz diferença.
Os caixotes do lixo da cidade são vasculhados por gente de mãos sujas, em busca de alimento. As mesmas mãos imundas estendem-se para pedir esmola. Animais de companhia bebem água engarrafada e têm coleiras da Swarovsky pelas mãos que os aconchegam mas negam as outras… não exista um vírus pendente à espreita.
Nas notícias, o que não se vê e não se fala é sempre mais grave do que a narrativa vigente. Não interessa que se fale do apedrejamento das mulheres, da mutilação genital das crianças, das famílias soterradas em atentados ao redor do mundo. A OMS fez um comunicado qualquer sobre cuidados sanitários e os poderosos laboratórios querem que se lancem vacinas milagrosas e obrigatórias para uma doença cujo índice de imunidade parece ascender ou superar os 70% da população. Entretanto, os recursos naturais da Terra esgotaram novamente em Agosto e as máscaras descartáveis matam ecossistemas inteiros. Falemos de futebol, por favor…
Estamos a voltar à Idade Média. E nem sequer é à boa fase da Idade Média onde se honrava a Natureza, se cultuavam as florestas e as danças sem contacto poderiam, pelo menos, renovar-nos alegrias. É a uma Idade Média tecnológica, onde somos prisioneiros do que a televisão nos manda pensar e vivemos socialmente conectados por quadradinhos em ecrãs maiores ou menores. Uma idade geométrica onde as mentes quadradas tentam organizar-se num Tétris cuidadosamente criado com uma só cor de peça, para não ofender ninguém. Enquanto teorias sobre a Terra Plana atenuam o linguarejar das bestas quadradas que andam em círculos. Levando-nos da Esquerda à Direita – literalmente – sem que ninguém note.
Podiam dizer que não há Inquisição. Chamam-lhe outra coisa. Os olhos abertos sabem que existe perseguição. Alguma escondida, pela calada e outra explicitamente, ainda que abafada por notícias “mais prementes, pertinentes e interessantes”. Talvez aqui seja ainda moderadamente invisível. Por agora. Mas estamos, aos poucos, a ir. Cegos a anuir, de bocas tapadas porque a lei obriga. Estamos a ir. Nessa máquina do tempo estranha e digital. Construindo uma Idade Média que talvez seja nova, como o vírus.
Penso que estamos a voltar à Idade Média. Sem monarquia e autos de fé, por agora. Mas estou a assustar-me com os braços ao longo do corpo, com os rebanhos de insanidade e, acima de tudo, com a forma como a narrativa de saúde faz toda a gente anuir, de forma similar aos antigos cãezinhos de bagageira. Estamos a andar para trás. Andamos a passos largos para as ideologias que – afirmámos – não sabíamos como poderiam ter sido acatadas. Estamos a voltar atrás, ofertando a liberdade e hipotecando o futuro. O nosso e o dos outros.
Estamos presos à carroça que nos arrasta. A tentar andar contra multidões. Presos a uma crença que em tudo parece lógica… mas ninguém vê. Desculpem. Eu nasci com um defeito de fabrico que me provoca sinapses. Estamos a voltar à Idade Média. Quem o vê poderá ser a última esperança. Por mim, tudo bem. Voltemos à Idade Média. Mas, se assim for, por favor, vamos de olhos abertos e mãos em punho, prontos para lutar. Vamos acordados. Estão a atear o fogo e andamos no seu encalço. Penso que estamos a voltar à Idade Média. E, se é para arder, que seja para defendermos o que é certo. Se é para voltar, desta vez, que ganhem as bruxas!
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