É uma pergunta de retórica. É sempre uma pergunta de retórica. Não penses muito nisso. Está tudo bem. Não tenho nem quero respostas. Para quê? A vida... entende... a vida planta sempre dois pontos de interrogação na terra adubada para plantar afirmações. Não é necessário que exista uma resposta. Às vezes, é só preciso perguntar. Ouve. Simplesmente ouve. O clamor das interrogações despidas de expetativa. É só uma pergunta de retórica...
I. BAILADO
O teu sorriso quando me dizes. Voltei para a dança. Esses olhos
azuis-verdes-cinza-mundo todos cheios de brilho. Terem passado mais de vinte
anos e nem um dia. A loucura do coração no peito, retumbante. Que bom!
E olhas-me, cheia de mundo nos olhos e de futuro nos pés. Cada palavra um bailado dessa eternidade que trago dentro. Amo-te mais do que tudo e tento dizer-to, pendurando a noção do amor nos fios louros dos teus cabelos.
E quero dizer-te que foi o teu
menisco que se lesionou, mas são os meus joelhos que são fracos. Caio sempre na
primeira pergunta que te fiz... como se
pode amar tanto quem se conhece há tão pouco?
II. HERANÇA
Dizes que saio a ti. Mas não creio. Porque só o dizes quando venço uma batalha qualquer ou sou centro da atenção do mundo...
Saí da minha mãe... acho que é a ela que saio. Poesia não é leitura nem memória entoada nas viagens de longo curso dentro de um Daewoo. Poesia é presença incondicional, orgulho ocasional, sem razão evidente.
Pergunto muitas vezes. Onde estavas quando caí? Onde estavas quando
precisei de amor imaterial e incondicional?
III. LUA CRESCENTE
A areia sob as sapatilhas de guerra e a lua no alto. O coração descompassado no peito. Falar do mundano para não dizer – porque realmente não importava dizê-lo – que afinal o coração não é de pedra.
Largar todas as certezas criadas. Libertar todos os conceitos pré-feitos. Ser. Na mais pura acessão desse ser que é ser-se. Até o próprio conceito do ser ir além do pequeno-eu determinado e redutor.
Uma mão no rosto. O fechar dos
olhos. A explosão de todos os sentidos e de todos os sentimentos inauditos. Magia. A resposta antes da pergunta e
depois dela e dentro dela... sem resposta. Como
é que isto aconteceu?
IV. A MANEIRA ERRADA (DE FAZER A COISA CERTA)
O punhal cravado e o enaltecimento do eu. Um suspiro triste. Vai criança. Solto e encolho os ombros, sem te culpar. Estás magoada. Permanentemente ferida. Culpando tudo e todos. (Con)vivo bem com essas culpas arremessadas no mutismo corrosivo. Não dói.
Um passo certo para dignificar a alma... no chão de todas as raivas discretas. O retrair da mágoa na expansão do ego. E um toque de acidez em cada movimento.
Olhar e não te reconhecer mais.
Silenciar-te de forma mais ampla, para não te ver desaparecer de ti. Nem sequer
ter vontade de falar. Mas soltar um breve: onde
está aquela pessoa da qual gostei tanto?
V. VIOLETA
Entre a morte e a quase-morte e a sobrevivência em tons de verde. Até que, um dia, a flor. Duas flores. Três. Esse matizado de cores. Amor em forma de Primavera.
O pousar dos lábios no veludo das folhas e um pensamento lá para onde moram os que eternamente sobrevivem em nós.
Estavas à minha espera para florirmos juntas, não estavas?
VI. QUINZE MINUTOS
A floresta ao nosso lado. O mar
ali à frente. O tempo que permeia a descida até ao Paraíso – quem diria que o Céu é para baixo? – e essa vontade de
conduzir para o pôr-do-sol.
Quinze minutos de silêncio. Um silêncio povoado de gaivotas e ondas. O sopro do vento nos ouvidos e na pele. O calor de um sol descendente e da pele areada. A paz de uma eternidade muito lenta, no espetáculo diário que o mundo oferece aos homens cegos. E derreter o corpo nessa areia. Ser fluído com a perfeição do final da tarde, esquecendo por momentos o som das músicas desajustadas e das conversas banais.
Só o toque da pele e a música da
Natureza. Quinze minutos perfeitos. Porque
é que as pessoas não sabem ser como o espaço onde estão?
VII. O LIVRO
Não. Uma palavra que pode ser dita com palavreados de boca cheia e muitos vazios de alma. Desculpas que podem somar-se até formarem um edifício de Jenga, que desmorona.
O desejar de sorte. Vazio. Porque
todos sabemos que a sorte não tem nada a ver com o assunto. Aceitar o não e a
bênção vazia. Aceitá-los. Simplesmente. Calando na garganta a pergunta: Como é possível fazer o caminho se todos nos
vedam a estrada?
VIII. OLHOS NOS OLHOS
Depois das luzes da cidade adormecida, a luz nos olhos. E depois do negro da vida, a felicidade.
O que é isto?
Olhos nos olhos. Sorrio silêncios. Eu também não sei.
O clamor das interrogações
despidas de expetativa. Essas que não visam nem o controlo nem a vigilância. Limpas.
Livres. É só uma pergunta de retórica. Um
suspiro pontuado... entendes?
Shhh... não respondas... não é preciso que haja resposta. Está tudo bem!
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