Parei. Eu que nunca paro, porque tenho um emprego de inteiro tempo. Parei. Parei para o ouvir falar. De chá. De azeite. De licor. E são os momentos que nos detêm, nos minutos que o dia já não tem, que valem. Estou tão feliz com as escolhas que fiz...
A feirinha tinha um aroma outonal, feito de canela e gengibre, de castanhas assadas e de vinho quente. Os cheios quentes e o ar frio contrastavam, criando texturas no ambiente, que se sentiam. Juntava-se a tudo isto o toque inebriante das luzes e a música entoada pelas vozes felizes, que tartamudeavam ideias para prendas de Natal.
Os passos apressados levaram-me a uma das banquinhas, gerida por uma amiga. Ali, enquanto ela sai da concha, as conchas transformam-se num pouquinho dela. É um pedacinho dela passível de levar para casa, em caixinhas e embrulhos. Cada peça denota muitas horas de trabalho e um acabamento a resina e amor. Escondida dentro do espaço, as mãos dela lançavam-se à tarefa, com uma atenção e foco que a impediram de me ver, até que a chamasse. Mas depressa me lançou o olhar, sem que os olhos perdessem o brilho que já tinham quando os pousava nas conchas, nos búzios, nos ouriços e na esperança do amanhã. Olhei longamente o mostruário antes de escolher uma prenda para oferecer. Pacientemente, ela aguardou que as minhas indecisões se transfigurassem em escolha, sem deixar de me mostrar as peças que ainda estava a terminar. O sorriso dela brilhava tanto quanto as iluminações de Natal e, para não a impedir de trabalhar por mais tempo, acabei por sair e caminhar um pouco, enquanto tentava tomar a derradeira decisão sobre a prenda ideal para alguém importante.
Passando pelas várias banquinhas, fui apreciando, não as peças e os produtos, mas os rostos. Em torno das peças, víamos interesse e satisfação. Atrás dos balcões, no entanto, havia muito mais. Sorrisos simpáticos orgulhavam-se de cada elogio. Palavras de entusiasmo acediam aos pedidos e respondiam às perguntas. E todos os olhos eram parte da decoração natalícia, iluminando a rua em que eu caminhava.
Caminhava. Mas parei. Parei. Eu que nunca paro, parei. Parei para o ouvir falar. De chá. De azeite. De licor. Algo na forma como o fazia, dando a conhecer a marca, enaltecendo o design dos frascos, a qualidade dos produtos e os ingredientes – evidentemente naturais e livres de químicos – me travou. Contou-me que não era aquela a sua primeira profissão, mas que gostaria que fosse. E eu entendi, pela milésima vez, que as pessoas vão para os seus empregos das nove às cinco e deixam o coração noutro sítio. Talvez fosse isso, concluí. Dentro das barraquinhas da feira, havia corações com gente. E cada produto era sístole e diástole, num (em)bater sucessivo, em luta pelo sonho.
Apaixonei-me, assim, com rapidez, pela paixão daquelas pessoas. Porque quando se ama o que se faz, não é um emprego a tempo inteiro mas um emprego a inteiro tempo. Das nove às nove. Das cinco às cinco. Vinte e quatro horas por dia. Sete dias por semana. Coincide com as horas do riso e do choro. E deixa ficar, nos intervalos do tempo que ninguém sabe que existe – a física quântica talvez explique – a eternidade da plenitude nos dias que se somam.
Gostava que esse perpétuo da paixão pela tarefa pudesse ser o emprego a tempo inteiro e não só o emprego a inteiro tempo das pessoas. Gostava que, como eu, outros pudessem viver, não só com o sonho, mas do sonho. Gostava que a escolha do coração fosse a regra. Gostava que o mundo refizesse as regras que levam tantos a procurar um emprego das nove às cinco, quando não é isso que querem.
Escolhi a prenda na banquinha das conchas mais bonitas do mundo. Trazia comigo chá e licor de figo. Palavras e sentimentos que valem a pena. E a certeza de que precisava de falar sobre o amor incondicional de quem, apesar do emprego das nove às cinco, oferece o tempo que sobra aos sonhos.
Ainda não fiz chá, nem abri o licor. Mas sei que sabem a Natal. Ainda não ofereci a prenda. Mas sei que a pessoa vai adorar. Ainda não tenho tempo. Mas parei. E são os momentos que nos detêm, nos minutos que o dia já não tem, que valem.
Estou tão feliz por ver outros a amarem o que fazem.
Estou tão feliz com as escolhas que fiz...
Ainda bem que parei.
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