terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Somos o que amamos?

 


Somos o que amamos.

 

Foi esta a frase que ela me disse. E depressa se apressou a acrescentar. Vi esta frase num livro que estou a ler e achei lindo. Acho que daria um texto incrível.

 

Olhei longamente para ela. Para a frase, isto é. Mergulhei nela. Deixei que o frio da sua simplicidade chegasse aos olhos e pensei. Eu não concordo.

 

A palavra amor vive desconexa e limitada. São as pessoas que a tornam desconexa a limitada. Palavra de todo o uso, que nem consegue definir, hoje em dia, o seu próprio significado... quanto mais a mim!

 

Todo o universo de coisas que eu sou não cabe no que eu amo. E não deveria ser quem e não no que? Somos quem amamos? Existe amor que se ligue a coisas? Que se esgote nas coisas? Que tenha a ver com algo material? Que não se trate de uma conexão de almas? Não sei...

 

Claro. Posso facilmente assumir que amo escrever. E não é gente. Mas também não é tarefa. Nem objeto. E talvez eu nem ame escrever. Talvez me ame e escrever faça parte disso. Não creio que se amem coisas...

 

O mergulho sufoca-me brevemente enquanto corrijo a frase. Somos quem amamos. Mas o frio da simplicidade corrigida, ao chegar aos olhos, ainda me fez pensar. Nó de peito. Uma espécie de azia. E pensei. Eu não concordo.

 

Assuma-se que se sente. Amor. Não o sucedâneo que se vende nas telenovelas e nos romances de cordel, nem tão-pouco as cápsulas temporalizadas de sentimento-instantâneo que se vende pelos Tinders e Companhia. Amor. Assuma-se que estamos a falar do amor incondicional – mãe-criança, irmã-irmão, alma gémea-alma gémea – o que define isso de amar alguém? Se o amor for despido de posse. Se o amor for despido de condição. Se o amor for despido de tudo até ser só ele próprio... Ser quem ama não é ser quem se ama. Ser quem ama não é ser de quem se ama. Principalmente não é – nunca será – um possessivo.

 

Risco mentalmente a minha própria correção e percebo que saber o que é a plenitude do amor e o que é a plenitude do eu são, possivelmente, as duas únicas definições impossíveis. Mas não somos o que amamos. Não somos quem amamos. Não somos de quem amamos. Quem somos então.

 

Busco em mim definições que não há sobre a minha própria identidade e corrijo. Somos quando amamos. Parece melhor, mas pressupõe que sejamos em função do outro, ainda que seja apenas em função do que o outro nos faz sentir. E não. Não! Não concordo! Não concordo com a redução tosca do eu-em-função-do-sentimento. Porque também sou o que fica quando o corpo adormece e só as funções básicas de mim me tornam gente.

 

Percebo que sou o corpo que dorme e o que acorda. O sonho inusitado. A realidade viva. O rosto maquilhado ou desmaquilhado em função do dia e da vontade. Sou a vontade. E o desejo. E o que sinto. E as razões pelas quais sinto o que sinto. E o que quero. E as razões pelas quais quero o que quero. E o que ambiciono. E o que digo. E o que faço. E as razões pelas quais o ambiciono e digo e faço. Sou as minhas escolhas e minha reação quando não as há. E sou tudo o que, agora, os meus dedos não sabem para transformar em letras.

 

Penso um pouco e sei. Sei que não sei quem sou porque estou a caminhar para o que quero ser. E sei que a raiz mora dentro do meu próprio peito e é o que me permite amar os outros.

 

Olha, desculpa. Mas eu não concordo com essa frase do livro e, por isso, não escrevi um texto incrível. Escrevi só um texto. Para te dizer. Não somos o que amamos. Somos. Quando nos amamos. E, mesmo assim... somos o quê? Ninguém sabe... mas é maior do que isso!


  Marina Ferraz




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