domingo, 1 de janeiro de 2012

Vamos


Vamos aos confins da Terra. Lá onde as nascentes caem em cascata e onde as pedras têm nome de pessoa. Vamos agora. Agora porque não há tempo a perder. A felicidade não espera por ninguém.
Então, anda. Segue-me os passos ou as pegadas. Segue-me os movimentos ou os aromas. Segue-me, seja como for. Vamos aos confins do infinito. Lá onde tudo é possível e ninguém pode interferir na paz. Lá onde as mãos se dão e os dedos se enlaçam. Lá onde tudo acontece com simplicidade.
Aviso já que vou abrir as asas, quando lá chegar. Fada de Outono, de pés descalços e passos dançantes. Vou abrir as asas mas não vou voar. Preciso deste chão sob o meus pés, de sentir a terra húmida e a água gelada a tocar-me a pele despida. É ali que os sonhos se tornam realidade e que a vida adormece um pouco, levando consigo tudo o que não está certo. E é por isso que vou aproveitar para abrir as asas. É o único lugar onde sei que não me vão apedrejar. É o único lugar onde sei que não vão troçar de mim por escolher um chão de espinhos, quando posso ter o céu. É o único sitio onde nunca ninguém esteve tempo o bastante para tentar roubar-me a magia.
Mas vem. Podes vir. Se olhares com olhos de esperança, talvez consigas até ver o que eu vejo. Vem. Vamos aos confins da Terra. Onde as pedras estão feridas e choram. Onde as árvores cantam. Onde as borboletas dançam valsas irrepreensíveis. Onde eu posso baixar a guarda e respirar com calma. Onde eu posso ser ferida no mais profundo de mim. Onde a minha alma se torna corpo e eu me torno vulnerável.
Vamos aos confins da Terra. Preciso de respirar essa paz, de abraçar essa plenitude. Preciso de abrir as asas. A felicidade não espera por ninguém...

Marina Ferraz

*imagem retirada da Internet

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Em silêncio


Os corações gritam em silêncio. Ninguém os ouve. Ninguém lhes pressente a dor. Eles gritam no silêncio de um sorriso e choram sozinhos, por detrás da fachada de um "está tudo bem" de corrida. Os corações batem assim, na solidão. Na solidão de não serem ouvidos pelo mundo, de não serem ouvidos pelas pessoas do mundo. De gritarem até ficarem roucos de tanta dor e ficar apenas um silêncio magoado.
Os corações são feitos de mel agre. Capazes de amar até ao infinito e de sofrer além das barreiras que o infinito comporta. Capazes de fazer isso num silêncio profundo e só seu.
Ninguém venha medir-me a vida em medidas de sorriso. Porque eu sei sorrir. Sei abrir um sorriso enorme e até rir um pouco, por entre os gritos doloridos do meu coração. E, quem me conhece, pode olhar nos olhos e saber que aquele sorriso de rosto não é um sorriso de alma. Mas o coração? O coração grita em silêncio. E ninguém o ouve.
Não aceito que me tratem como se eu fosse um ser sem vida, um ser sem coração. Porque existe um bater no meu peito que me promete que, independentemente de quantos sorrisos eu esboce, o coração continuará a gritar.
Não sei, de olhar para alguém, quantas desgraças lhe encheram a vida. Não ouso dizer que conheço uma pessoa por olhar para ela e a ver sorrir. Há tanta coisa gritada nos silêncios do mundo e tantas lágrimas choradas na solidão... mas respeitarei sempre quem sorri. Porque um sorriso é o sinal de que se está disposto a ser forte. Um sorriso é o mais puro sinal de altruísmo. E, se ao passar pela rua, alguém me olha e sorri, eu sei que ali existe um coração, ainda que seja um coração magoado.
Os corações gritam em silêncio. E eu sorrio no silêncio dos gritos do meu coração. Deixo que ele grite, que chore, que esperneie e que sofra. Deixo que ele sinta. Quem sabe se, um dia, parando para sorrir ou vendo um sorriso, esses gritos não viram música e o coração sorri em silêncio. Num silêncio onde o único grito será para dizer que sou feliz.

Marina Ferraz

*imagem retirada da Internet

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Noites à lareira


Às vezes a vida é como uma noite à lareira. Quente na proximidade dos medos e das dores. Mas quente, ainda assim, mesmo por entre as coisas frias que nos arrefecem a alma.
Acho que a coisa mais hipnotizante no fogo é dança entre o perigo e a paixão. Como se o medo de nos queimarmos nas fagulhas esvoaçantes fosse apenas superado pela vontade inevitável de estender a mão e deixar a chama tocar os dedos, com uma suavidade ténue.
Claro: tocar o fogo seria um erro. Mas quantas vezes na vida não erramos nessa busca incessante por tocar algo que nos cativou o olhar e nos manteve quentes pela noite fora?
Às vezes a vida é exactamente como uma noite junto ao fogo. E há tantas coisas que se podem ver no avermelhado de uma chama. Há tantas palavras que se podem dizer, despidas de sentido e de sensatez.
Mas no fim, é basicamente simples a compreensão das coisas. Não há nada que se possa pedir ao tempo. Não podemos pedir à lenha que consuma mais devagar, nem à chama que siga uma coreografia planeada, simplesmente porque a preferiríamos assim. E há uma beleza suave nesse desprendimento porque sabemos que não podemos controlar o fogo, da mesma forma que sabemos que a vida, essa menina insensata, não seguirá todos os caminhos do nossos sonhos.
E daí? Talvez a beleza da vida esteja justamente nessa imprevisibilidade. Talvez todos dancemos pela vida uma dança sem sentido, como se fossemos chama e a lenha durasse indefinidamente, como se o vento pudesse soprar e atiçar-nos ou apagar-nos.
Sim! Eu acho que é justamente isso. Sem complicações de outros tamanhos. Somos todos um pouco como o fogo: quentes e perigosos, feitos de paixão, feitos de medos, feitos de efemeridades eternas. Vivemos todos uma vida que pode ser reduzida à explicação insensata de uma noite à lareira.
E, por entre estradas mais frias e mais cortantes, é bom pensar que todos nós somos chama. Porque isso significa que, algures na jornada da vida, nos bastamos. E que, algures, de alguma forma, enquanto nos bastamos, precisamos da lenha e ar para subsistir. A lenha das nossas amizades e dos nossos amores, a lenha das coisas que nos arrancam um sorriso, a lenha dos lugares que nos apaziguam a alma, a lenha das memórias pelas quais vale a pena ser chama. E o ar, esse é somente para nos lembrar que o nosso tempo se consome... e que devemos respirar fundo de volta em vez, apenas para apreciar todas as maravilhas com as quais fomos abençoados.
Sim! Para mim a vida é como uma noite à lareira. E, à minha maneira de água, terra e ar, eu também sou fogo. Podem adorar-me ou ter medo de mim ou achar que eu não sirvo para nada. Seja como for, deixem-me brilhar, deixem-me dançar essa valsa de descompasso, que não faz sentido nenhum porque não tem coreografia. Deixem-me arder pela minha vida fora e consumir a minha lenha, aos pouquinhos, saboreando cada pedaço. Quando, por fim, tudo for cinza e eu for pó, quando já não houver calor em mim... a única coisa que vai importar é que tenha valido a pena! E talvez isso não seja nada simples... mas é possível. É possível e eu acredito. Talvez por isso, de alguma forma, perante uma (ir)realidade roubada aos contos de fadas, eu seja uma chama que jamais se vai apagar...


Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Voos d' alma


Os pássaros voaram, meu amor. Abriram as asas, rebentaram com os ferros da gaiola. Fugiram por entre os dedos da imensidão do mundo. Desapareceram na distância.
Abriram asas. Partiram. Cada um deles com o nome da liberdade e o espírito solto, oco de amores e desamores, oco de sentimentos vãos.
Os pássaros voaram. Porque tinham asas e o céu chamou. Porque não tinham compromissos nem planos para amanhã. Perderam-se nas copas da árvores, pousaram em cabos de aço, seguiram rumo ao horizonte.
A eternidade que os esperava a cada momento era tão real como a ânsia pelo destino indeterminado. Talvez nem eles soubessem onde ir. Talvez não se importem. Talvez, para eles, abrir asas e voar, rumo à dúvida da distância seja o bastante.
Os pássaros voaram. Sim! Voaram. Fugiram por entre as memórias que não tinham. Por entre as grilhetas que não os prendiam ao chão. Os pássaros desafiaram a gravidade e a emoção. Foram embora.
E eu? Não tenho eu também as asas abertas? Não tenho eu também o céu? Não tenho eu também a distância incerta ou o horizonte inalcançável? Não tenho eu os sonhos? Não tenho eu o amor à liberdade?
Os pássaros voaram, meu amor. Abriram asas, num encolher de ombros de alma. Mas eu importo-me. Importo-me de voar. Importo-me de tirar os pés do chão terroso da minha esperança. E as asas abertas não ousam voar. Estão abertas de sonhos. Abertas da certeza de que, para alguns pássaros de alma negra, estar livre é ter a liberdade de escolher não fugir.
Não vou fugir. Não vou voar. Não vou iludir-me com a noção incerta dessa terra prometida que fica além dos céus. Mas os pássaros voaram e anoitece. Lá do alto talvez ainda se veja o sol. Aqui, a noite é a companheira de voos mais baixos. Tenho saudades do sol!
Os pássaros voaram e as minhas asas bateram, apenas para afastar a poeira que adensou nelas, de tanto as abrir. Os pássaros voaram e eu fiquei, presa aos voos altos das minhas emoções e dos meus sentimentos.
Sorrio. O chão da minha esperança sabe ser doce. O chão da minha esperança sabe ser céu. As minhas grilhetas sabem ser liberdade. Sorrio e abro as asas. E elas ocupam a imensidão do meu mundo. Porque o meu mundo tem o tamanho dos meus sonhos e os meus sonhos são maiores do que o céu, maiores do que a distância, maiores do que o que fica além do horizonte.
Sorrio e fico aqui. Bem aqui, onde poderei sempre ser encontrada, pisando a esperança e abrindo as asas. Os pássaros voaram. Que voem eternamente por um segundo. A minha eternidade durará o tempo da minha alma. E a minha alma é um pássaro livre de anseios, que apenas segue os instintos de um coração demente.
Sossega. Está tudo bem... Os pássaros voaram mas eu ainda estou aqui!

Marina Ferraz

*imagem retirada da Internet

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Não chores


Não chores nunca mais, amor meu,
Não continues triste, que é pecado
Sentir qu’ o mundo inteiro esmoreceu
Nesse rosto de lágrimas marcado.

Não acalentes o medo e o desgosto,
Qu’ é um erro sentir-me tão perdida.
Uma lágrima caindo no teu rosto
É um inferno aceso na minha vida.

Não chores, que não te vai magoar
Nenhum anjo ou fantasma do passado.
Estou aqui, mesmo que não possa estar,
Estou aqui, sabendo como é errado.

Não enchas o teu rosto de doçura
Com lágrimas de eterno sofrimento.
Na vida, só essa dor perdura.
Pra dor, meu amor, tu terás tempo.

Não sofras já, que não aguento vê-lo,
Quando a juventude ainda te sorri.
O sofrimento é só um pesadelo
E no teu sonho mau, quase morri!

Não chores, meu amor, não chores mais!
Não faças minha alma sofrer tanto.
Tens tempo pra sofrer, até demais…
Não t’ afogues em dor, por enquanto.

Uma lágrima no teu rosto plantada,
Fez de mim destroço d’ eternidade.
Agora, meu amor, se não sou nada,
É porque já era dor na tua idade.

Marina Ferraz

in: Fonte d' Abrigo

domingo, 13 de novembro de 2011

Ponteiros


Não sei quanto a ti. Mas eu? Eu vou rodar os ponteiros no sentido errado e inverter o tempo. Vou deixar que a manhã desapareça e dê lugar à aurora e depois à noite. A noite. Essa noite.
Quero ser a pessoa que voltou atrás no tempo. Porque, apesar de se dizer que o futuro tem as maiores maravilhas do mundo, eu sei que, às vezes, deixamos cair pelo caminho partes imprescindíveis de nós. E eu vou rodar os ponteiros no sentido errado para ir buscar o que perdi.
Não sei quanto a ti. Mas eu? Eu vou voltar atrás para ir buscar a menina. Sim, a menina. A menina de cabelo aos caracóis e de laçarotes ao xadrez, que andava sempre com vestidinhos de fazenda perfeitamente engomados. A menina que decidiu o seu futuro aos seis anos e que não desistiu dos sonhos nem por um segundo. É isso que eu a vou buscar às noites desse tempo que passou.
Não me entendas mal! Vivi tanto do melhor do mundo. Tantas coisas de provocar sorrisos de orelha a orelha. Mas essa menina, essa menina não odiava ninguém. Essa menina não amava ninguém. Essa menina nunca tinha visto ninguém morrer. E eu tenho saudades dela porque, apesar de não ter vivido as maiores coisas, já era capaz de as sonhar.
A memória mais sagrada que guardo dessa menina é a olhar para as estrelas. "Estrelinha brilhante, primeira estrela que vejo, realiza hoje o meu maior desejo!" A mesma frase insensata, dita mudamente por lábios cénicos e crentes. À espera que as estrelas lhe dessem o caminho dos sonhos e a encaminhassem por trilhos de amor. Totalmente inocente, à espera que o mundo olhasse para ela e entendesse que nada de mal ia acontecer.
Não sei quanto a ti. Mas eu? Eu adoro essa menina que ficou para trás, com os seus quase ridículos sapatos de tira e a sua crença cega na magia do mundo. Porque essa menina, essa menina que largou cedo as bonecas para se agarrar aos livros e que perdeu aulas inteiras a divagar em histórias encantadas, essa menina sabia exactamente o que esperar do futuro. A única coisa que ela não sabia era que, nesse futuro, ia querer voltar atrás para voltar a ser criança.
Vou rodar os ponteiros no sentido errado, sim! Vou! Tenho a mão estendida. Podes vir comigo buscá-la. Mas vou, mesmo que não venhas. E, quando a encontrar na noite dos infernos em que a perdi, vou pedir-lhe desculpa. Vou pedir-lhe desculpa por ter deixado cair a bondade extrema de acreditar que o mundo podia ser um lugar perfeito.
Mas eu conheço essa menina melhor do que ninguém. Sei o que ela me vai dizer. E sei que ela vai resumir tudo a duas perguntas.
- Realizaste o meu sonho? - perguntará, enrolando um caracol, com um ar envergonhado. E eu vou sorrir, olhar para ela e dizer que sim. - E amaste?
É por esta pergunta que gostava que rodasses os ponteiros do tempo comigo. Aquela menina, tão inocente, que não amava nem odiava ninguém, era justamente a menina que podia olhar nos meus olhos e saber as respostas. Olhar nos teus e entender o motivo pelo qual tinha voltado atrás.
Não sei quanto a ti. Mas eu vou lá, onde ela está. E vou guardá-la no peito, mesmo com os quilinhos a mais e o cabelo revolto. Devo a essa menina tudo quanto sou hoje. Os sonhos dela, os meus sonhos. O amor dela, o meu amor. Ela já sabia tanto com os olhos cheios de ternura...
Preciso que ela me ensine a esperar e a sorrir. Preciso que ela me ensine a pedir às estrelas para ser feliz.
Eu vou rodar os ponteiros. Vez após vez, até chegar à hora certa do dia certo. Até chegar à noite em que ela pediu um desejo às estrelas e esse desejo foi simplesmente amar. E, quando a encontrar, vou abraçá-la e trazê-la comigo. Quem sabe se não viveremos juntas o melhor dos contos de fadas.


Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O Toque da Simplicidade


Às vezes, é muito simples. Um pôr-do-sol. Uma lua cheia. Uma brisa por entre as árvores. O cheiro da relva orvalhada pela manhã. O aroma adocicado da terra nas primeiras chuvas do Outono. Às vezes é muito fácil amar a vida.
Passar a mão no tronco de uma árvore, falar com ela e ouvir-lhe a resposta - às vezes silenciosa, mas sempre repleta de razão. Olhar o Mar, aprender a amar-lhe a calma e a intempestividade. Aprender a amar o Mundo pelo que ele é: tão complexamente simples, tão emotivamente calmo, tão sábio e tão paciente.
É na mistura brusca entre essa Natureza e a minha própria alma que encontro paz. Uma paz que soa a liberdade. Uma liberdade que é impossível de ser acorrentada aos males da vida. E, assim, é na Natureza que encontro a força para viver, a força para acordar todos os dias e continuar a ser como um rio que corre infinitamente rumo ao Mar, aproveitando cada curva do caminho. É assim que, por entre a divindade verde e azul do Universo, encontro um lugar para mim. Entre as árvores. Entre os rios. Entre as estrelas.
Nunca encontrei na Natureza um conselho menos sábio ou uma critica sem razão. Encontrei sempre nela o colo de uma Mãe e a sabedoria de uma Anciã sem idade e com todo o tempo do mundo. Encontrei nela a virgindade doce de Donzela que sonha e que sabe melhor onde começa o real e acaba a fantasia e, ainda assim, acredita em ambas.
Sim, às vezes é muito simples. Tão simples como respirar fundo o aroma dos eucaliptos ou o ar do Mar. Tão simples como descalçar os pés na areia ou mergulhá-los no ribeiro frio que corre, desde uma nascente de vida até à infinidade de todas as coisas.
Não é por acaso que nascemos na condição mortal de nos ser negada uma vida eterna. Nascemos para saborear as pequenas coisas. Para aproveitar os pequenos momentos. Para sorrir quando vemos alguma coisa que nos recorda que somos abençoados diariamente com a presença do que o mundo tem de melhor.
E acredito que é por isso que os homens nascem homens e se tornam homens por entre a Natureza das coisas. Não para a subjugarem, não para a destruírem mas para fazerem parte das maravilhas Dela e, em casos maravilhosos, aprenderem alguma coisa.
Afinal, no fim de tudo, a derradeira prova de que a Natureza é infinitamente mais sábia que o homem é que, enquanto alguns homens vivem de rastos, as árvores aprenderam a morrer de pé.


Marina Ferraz

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Horizonte


Nunca vou querer menos do que o horizonte. Não posso querer menos do que essa eternidade imaginária onde, num segundo, se pode conhecer o Universo. Nunca vou querer menos do que o horizonte. Ele está sempre à minha frente, hasteando todos os meus sonhos, abrindo os braços para abraçar tudo o que um dia quis.
Talvez o horizonte não esteja mais perto. Isso não significa que nunca alcancei nada. Significa apenas que há sempre algo por atingir. E amo esses motivos que se mantém à distância de um olhar e me fazem dar passo após passo, numa corrida infinita rumo ao inatingível.
Não quero conseguir o que outros já conseguiram. Não quero ter os limites dos meus sonhos presos às limitações do meu corpo. Eu quero tanto quanto a minha imaginação permite: quero a felicidade plena desses milésimos de momento que, no fim de tudo, terão valido uma vida. Quero o sorriso rasgado. Quero as lágrimas compulsivas. Quero os abraços e os estalos da vida. Quero o encolher de ombros. Quero a queda. Quero o voo. Quero essa linha imaginária que permanece ali ao fundo, real e insensata, apenas porque está à minha espera.
Nunca vou querer menos do que o horizonte. Nunca vou querer desejar menos do que isso. Talvez os limites da minha vida estejam nos meus poucos riscos, nas minhas poucas loucuras, nas minhas tristes horas sem fazer mais do que tenho para fazer. Mas os limites dos meus sonhos estão em não haver limites. E quero o horizonte, sim! Sempre quis o horizonte. Hei-de o querer para sempre. E se, dando um passo, ele se afasta, isso não significa que não posso atingi-lo mas apenas que ainda não tentei o suficiente.
Quero ir onde ainda ninguém foi. Amar como ninguém amou. Rir até ser considerada louca. Chorar mil lágrimas, ainda que seja pela coisa mais ínfima. Levantar os punhos e lutar contra as tempestades. Ir passear à chuva. Mergulhar no mar de Inverno.
Quero fazer o que ainda ninguém fez. Sonhar mais alto que os céus. Cair mais fundo que o mais fundo dos penhascos. Aprender a voar, de asas abertas, pelo infinito de uma palavra.
Nasci para ser livre. E sou livre de sonhar. Livre de querer esse horizonte eterno e incerto que está sempre à distância do impossível.
Nasci livre e vou morrer livre: na liberdade de acreditar no amor, de acreditar nos sonhos, de acreditar em histórias para crianças e em seres fantásticos. Na liberdade de amar os Deuses como se fossem companheiros de viagem. Na liberdade de comentar com as fadas o quanto gosto das Estações da vida.
E nunca vou querer menos do que o horizonte. Porque amo poder querê-lo. Porque sonho poder atingi-lo. Porque, no fim de tudo, ninguém sabe se não é para lá que a nossa alma vai repousar, até estar preparada para ser livre mais uma vez.

Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

sábado, 1 de outubro de 2011

Todos os motivos do Mundo

Ao meu avô


Todos os motivos do Mundo. Tenho todos os motivos do Mundo para dizer que sinto a tua falta. Não hoje, mas a cada dia. Tenho todos os motivos do Mundo para não calar a voz dos meus sentidos no que te diz respeito. Tenho todos os motivos do Mundo para admitir que és em mim uma cicatriz viva, que estará sempre marcada, lembrando um longo rumo onde, durante tanto tempo, fui abençoada por te ter por perto.
Tenho todos os motivos do Mundo para abrir a janela e falar contigo como se fosses uma estrela. Todos os motivos do universo para acreditar que me ouves e me afagas o rosto com a mão do vento, enquanto me desejas - como sempre - apenas o melhor que a vida tem para oferecer.
O que dizemos tem sempre consequências. Uma interpretação errada aqui, um momento de crítica ali, dois segundos ou uma vida de comentários. Mas eu tenho todos os motivos do Mundo para dizer que nada irá, jamais, suprimir a falta que me fazes. E tenho todos os motivos para não ter medo de o gritar.
Imagino-te no vento, feito de ar e sabedoria, com esse sorriso cansado e maravilhoso com o qual me enchias os dias. Imagino-te no mar, pedaço intempestivo e lutador dos tempos, herói de batalhas por contar. Imagino-te na terra que calco, apoio incessante de todos os meus passos. Imagino-te com a vida eterna de todas as eternidades - as que existem, as que não existem, as que invento apenas para te sentir por perto.
Tenho todos os motivos do Mundo para não dizer adeus. "Adeus" é a palavra chave de um sem fim de mágoas que não quero cultivar. Sinto saudades, apenas, neste "até já" mortal que me faz sentir a paz de saber que, um dia, nos vamos encontrar, dar as mãos, partir juntos numa jornada onde possamos sentir a presença um do outro a tempo inteiro.
Todos os motivos do Mundo. Tenho todos os motivos do Mundo para te amar. Tenho todos os motivos do Mundo para admitir que ainda sinto a tua falta. Tenho todos os motivos do Mundo para gritar que sim, que ainda te falo à noite, como se fosses um anjo e velasses por mim. Porque, tu sabes, sempre velaste por mim e, aos meus olhos, primeiro de criança, depois de rapariga, foste sempre um anjo. Um anjo a acreditar, a lutar, a viver e a sonhar apenas para que os meus dias pudessem viver na linha intermitente que demarca o que é real e o que é fantasia, na corda bamba de um lugar onde ainda é possível seguir uma vida melhor e mais pura.
Tenho todos os motivos do Mundo e vou ter sempre todos os motivos do Mundo. Porque há pessoas que se imprimem na nossa pele e que nos marcam a vida. Porque há sorrisos que tornam os momentos eternos. Porque há pessoas que falam pelas estrelas e nos acarinham no vento muito antes de partirem e deixarem só esta magia saudosa de se amar alguém.
Por isso, não: não tenho medo. Tenho todos os motivos do Mundo para não ter medo. Tenho todos os motivos do Mundo para acreditar que estás aí, com as tuas asas de ar e o teu sorriso de água, a proteger os meus passos. Tenho todos os motivos do Mundo para saber que estarás sempre presente, mesmo que mais ninguém o saiba... mesmo que mais ninguém o veja.

Marina Ferraz
*imagem retirada da Internet

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Dias


Persistência da Memória - Salvador Dali

Às vezes não há nada certo a dizer. As palavras ficam vazias de sentido. Dizem demais. Não dizem o suficiente. Não expressam o grito crescente ou o riso sonante que nos ecoa no peito.
A alegria e a tristeza. A bipolaridade de vivências terrenas que se entrecruzam em mil momentos, em mil presenças, em mil ausências, em mil sentidos.
Haverá sempre dias em que temos muito para dizer. E haverá tanto por ser dito no final desses dias. Tanto que as palavras não suportam na sua enorme e infinita pequenez.
Porque as palavras - por mais que as ame - serão sempre esse gigante mal tratado que se ergue e se aumenta e se anula. As palavras serão sempre essa magia pura e intocável.
Há dias em que temos tanto para dizer que nenhuma palavra basta. E, depois, há dias que falam por si, simplesmente porque não há palavras suficientes para exprimir o que temos para dizer... porque é impossível dizermos tudo aquilo que sentimos.



Marina Ferraz