Acordar. O grito do silêncio no lugar do despertador. Soando
na cabeça como um sino de igreja. Infernal e sem abafo. Lembrando. Dizendo. A
hora passou e é hora. Vem correr. O dia já corre e o relógio é inimigo.
Com o som desse silêncio, os pés pousam no chão. E as mãos
comprometem-se com a tarefa acumulada dos dias passados. Apanham do chão a
roupa. E levam-na ao encontro da água, dos pós, dos aromas. Ao encontro do sol.
Ao encontro do que fica lá fora estendido. E aproveita-se a mais ténue brisa. O
mais breve dos raios soalheiros. Até que, voltando ao interior, se traz calor e
fumo e vapor. Se acresce e finaliza.
As mãos comprometem-se com a louça. Fazem jogos sonoros. E
mergulham na água. Tilintando pratos e copos. Agitando panos. Uma dança. Uma
coreografia. E avança, ao som desse silêncio, para uma dança de pares. Com a
vassoura. Com a esfregona. É uma festa onde os intervenientes dançam pelo chão.
Com ou sem vontade.
Até ser hora de pôr na mesa a refeição. Caseira. Com o ponto
de tempero. Com o sabor edificado nas escalas do que se busca nos permeios
insaborosos da vida. Uma refeição que se trabalha e engole sem provar.
O dia avança. Avança também. É hora!
Cama feita de lençóis limpos. Toalhas de rosto trocadas por
aquelas cujos aromas evocam flores e frutos. Telefonemas trocados, marcando
consultas e necessidades. E pés saindo de corrida, levando nas mãos a lista
rabiscada de tudo o que vai faltando. Carrinhos que se enchem. Talões que se
entregam. Cartões que se passam. Cifrões que passam de umas contas para as
outras à medida que anoitece o dia.
Acumulam-se compras na dispensa. Reciclagem nos sacos.
Cansaço nos ombros.
E a hora que corria chega. É hora. De dormir. A folga
acabou. E amanhã é dia de trabalhar…
Sem comentários:
Enviar um comentário