Tenho mãos. Elas são garras. Tenho feito, com elas, poemas e
cicatrizes. Em igual número e medida, para que não pensem que sou gente e não
digam que sou monstro. Mas, olhando para as minhas mãos, quase todos viram o
monstro. Tu não. Tu viste gente.
Tenho olhos. Eles são balas. Tenho feito, com eles,
apreciações do mundo e indignação. Pousando-o sempre no concreto das coisas e
fechando-os sempre para sonhar. Faço-o para que não pensem que sou toda
fantasia e não digam que finco no chão os pés que pisam gentia. Mas, olhando
para os meus olhos, quase todos viram a mágoa. Tu não. Tu viste o Reino dos
Sonhos, Quimera, pedras com feridas e fadas.
Tenho lábios. Eles são pedra. Tenho feito, com eles, frases
de apreciação e críticas vorazes. Em igual número e medida, para que não pensem
que sou doce e não digam que sou ácida. Mas, olhando para os meus lábios, quase
todos viram o azedume. Tu não. Tu viste o nascer de um beijo, frutado e untado
a mel.
Tenho pés. Eles são vento. Tenho feito, com eles, viagem que
me levam às pessoas e corridas que me levam para longe delas. Em igual número,
é verdade, para que não digam que vou sempre e não pensem que me quedo,
estática, num lugar só. Mas, olhando para os meus pés, quase todos viram a
partida. Tu não. Tu viste raízes e asas.
No centro de tudo o que és, dou por mim a querer fugir. Dos
teus olhos. Desses que vêem o melhor de mim e não se assustam com o pior.
Tentei fugir da loucura dos teus olhos. Que me olham. E me amam. E me acolhem.
Ainda que as mãos sejam garras, e os olhos sejam balas, e os lábios sejam pedra
e os pés sejam vento. Tentei ir. Mas batalhaste. Lutaste. Por mim. E bateu
forte no peito, como a saudade, mas em forma de gente. Em forma de monstro. Em
forma de nós.
Tenho coração. Ele é espada. Tenho feito, com ele, cortes
irreversíveis e nomeações reais. Não em igual número. Não em igual medida.
Matei muitos. Distingui um. Tu. Porque nunca ninguém me viu o coração. Mas tu
viste. Porque os outros me fizeram rir ou chorar, mas nunca ambas. E porque és
o único que consegue arruinar-me a maquilhagem com beijos e lágrimas e, ainda
assim, fazer-me sentir a mulher mais bonita do mundo.
Tenho coração. Tinha coração. Tive coração. Ele era espada.
Hoje é teu.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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