Ele costumava chamar os meus olhos de “Les étoiles”. Dizia
que eles cintilavam, de uma forma muito própria, no centro da escuridão da
vida. E queria ser astrónomo, para poder olhar as estrelas eternamente. Essas
dos meus olhos, aos quais chamava “Les étoiles”.
Passei muitas noites com as minhas estrelas presas no céu,
ao lado dele. E apontávamos, rindo, as imagens imaginárias que as outras
estrelas – as que não eram olhos - formavam, em pontos picotados no centro das
noites sem luar.
O meu universo virava-se do avesso. E dava por mim inebriada
pela incandescência solar de um desejo que ali nascia, mesmo debaixo do véu
negro do céu, à medida que “Les étoiles” se fechavam para nos beijarmos.
Amanhecíamos. Eu e ele. E a rua. Algures, no centro da
cidade poluída, encontrávamos carreiros de noite, onde idealizávamos um planeta
sem pessoas, uma galáxia sem medos, um mundo só nosso. E ele falava do brilho
dos meus olhos, nesses planos de utopia, tecidos finamente numa tela de
irrealidades. “Les étoiles”. Uma exclamação que virava vento, partia e
regressava com beijos nos lábios mornos do Verão.
Cada passo foi um ano. Mas poucos passos demos, nesta
demanda de olhos postos no céu. Porque criávamos raízes no solo infértil de um
mundo que gira em torno de uma única estrela, onde as pessoas olham muito mais
em frente do que para cima e onde o brilho do sonho se troca com facilidade
pelo concreto baço e pardacento. “Les étoiles”.
Continuei a olhar os céus. Nas noites sem lua. E a apontar
desenhos nas estrelas. Eu dizia ver castelos e borboletas. Ele já não as via.
Olhando o céu e esquecendo os meus olhos, ele dizia ver somente uma coisa. “Les
étoiles”. E, com o tempo, deixou de se deitar ao meu lado para as ver. E, com o
tempo, deixou de me olhar nos olhos. E, com o tempo, deixou de aparecer.
Ele costumava chamar os meus olhos de “Les étoiles”. Dizia
que eles cintilavam, de uma forma muito própria, no centro da escuridão da
vida. Quando foi, deixou-me o olhar negro. Levou “les étoiles”.
Hoje, as estrelas não cintilam.
As estrelas choram.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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