Esta é a história que vou contar um dia.
Em tempos, perdi-me de mim. Porque não sabia quem era. E me
aventurei no amor sem saber amar. Como quem entra num barco sem remos, sem
colete de salvamento, e vai para mar alto, sem saber nadar, durante uma tempestade.
Perdi-me de mim. Levando comigo, no mesmo barco, uma alma desprotegida a quem
tinha prometido segurança e quietude.
Presos no mesmo barco, fui tentando sobreviver às ondas e às
correntes. Tentava colocar o meu peso ao favor das ondas, para que a água não
entrasse no bote. E ele quase virava. Diziam: “tem calma, não te agites tanto”.
E eu, que julgava entender, logo colocava o peso contra as ondas, deixando que
a água entrasse no barco e quase o levasse ao fundo. Ele ia libertando o bote
da água. Fazendo contrapeso. Dizendo: “tem calma, não te agites tanto”.
Ao longo da minha vida eu tinha aprendido a lutar. Mas não
tinha aprendido a estar quieta. E, por isso, continuava. Fosse contra as ondas
ou a favor delas. Fazendo, constantemente, com que o bote vergasse a minha
vontade e a daquela alma sem culpa. Pondo em risco a segurança de ambos.
Achando que precisava de o fazer, já que ele era frágil e não sabia nadar. Já
que ele era um desistente, quieto no banco traseiro de uma catástrofe.
Eventualmente, ele culpou-me do risco. E eu tentei fazê-lo
ver que não era eu a responsável pela tempestade. E eu tentei fazê-lo ver que
não era eu a responsável pelas ondas. E eu tentei fazê-lo ver que não era eu a
culpada pelo bote sem remos. E ele insistia: “eu sei, mas não te agites tanto”.
E eu esbracejava. Com as ondas. Contra as ondas. Comigo. Contra ele. Parecia,
em alguns momentos, que ele também era tempestade.
Em tempos, perdi-me de mim. Eu não sabia quem era. E eu não
sabia amar. Isto não significa que eu não fosse alguém. Ou que não amasse. Mas
não sabia. É importante saber.
Durante todo o tempo desta tortuosa viagem de quase-morte.
Ele foi o peso que me endireitou o barco e me protegeu. Na sua fragilidade
quieta. Contrariando os meus impulsos ingratos e inúteis.
E, em muitos dias, foi os braços que me envolveram para eu
não sentir frio, depois da chuva e das águas que quase nos abalroavam.
Em tempos, perdi-me de mim. E quase matei os dois. Fui
protegida pelo reduto de uma fragilidade forte. E descobri que a minha força me
desonra pela falta de sensatez e de sentido de oportunidade.
Encolhi-me no meu banco, no meu bote sem remos e desejei ter
morrido na tempestade ou ter feito sozinha a viagem.
Mas, depois, olhei. E, mesmo quebrada, mesmo perante o olhar
triste dele, eu soube. Eu estava perdida de mim quando me aventurei no amor sem
saber amar. Agora estou perdida no amor e esta é a história que vou contar um
dia.
O leme é dele.
Podemos ir sem remos e sem colete de salvamento. Se eu não
for tempestade, vai ficar tudo bem.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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