Têm tentado. Continuamente. Desde sempre. Rotular-me e
pôr-me numa caixa. Limitada pelas suas paredes. Feitas de preconceito. Feitas
de noções redutoras. Feitas das linhas do ar. E de betão.
Têm tentado. Justificar-me com ideias e frases feitas. Explicar-me
com conceitos e limites. Como se um traço de mim aniquilasse o outro. Ou me
definisse concretamente. Ou fizesse de mim uma coisa só.
Têm tentado. E têm descoberto que eu sou um ser sem filtro,
com traços de luz e sombra. Com traços de riso. Com traços de depressão. E de
alheamento. E de apreciação do mundo. Têm descoberto que eu sou beleza e
feiura. Preguiça e tarefa e desporto. Escrita e silêncio e palavra dita. Têm
descoberto que, sempre que me colocam numa caixa, eu intempestivamente a derrubo
e salto para outra… e outra… e outra a seguir.
Irritam-se com os traços de mim. Que se colocam no espaço da
menina e os seus livros, por um segundo. Para saltar para o espaço da
futilidade e das roupas, por outro segundo. Para adentrar os universos da política
e as discussões acesas do feminismo e da equidade, por mais um segundo. E para
tocar nos nervosinhos que compõem a alma de cada um, por um segundo de
eternidade que lhes baralha as ideias e os deixa sem saberem bem onde podem
colocar-me.
Peço que não me coloquem numa caixa. Faço-o insistindo que
não é esse o meu lugar. Mas insistem. Insistem em tentar fazer de mim objeto
redutível à descomplexificação do eu. E a reduzir-me a uma das minhas partes.
Porque será mais simples ver-me como um fragmento de mim. Ou simplesmente
porque existem traços de inconsequência na divisão de parcelada de mim em
milhares de fragmentos de poeira, que sejam catalogáveis e passíveis de colocar
nas caixinhas mentais dos outros.
Não me coloquem numa caixa. Mesmo que cause estranheza que,
pela manhã, eu seja atleta; pela tarde, artista; pelo crepúsculo,
contestatária; e pela noite, bailarina de fogueiras nuas. Não me coloquem numa
caixa. Tenho demasiada liberdade em mim para encaixar nos espaços determinados
pelas mãos dos outros.
Podem colocar-me numa caixa. Quando eu morrer. Só quando eu
morrer. Antes não. Ou, se puserem, vão ver que as caixas não me seguram. Que salto
de uma para a outra. E que me completo com um pé em cada uma. Com uma mão em
cada uma. Com um olhar estendido sobre tantas quantas o olhar me abarca.
Sim. Podem colocar-me numa caixa. Quando eu morrer. Só
quando eu morrer. Aí podem. Prometo ficar dentro dela, se nela me depositarem.
Mas, mesmo aí, devo confessar. Preferia ir livre na respiração do vento. E ficar
um pouquinho em toda a parte. Com os rios. E com as flores. E com as árvores.
Para lhes contar que faço parte da terra. E que o meu mundo se fez fora da
caixa. Para voar. Outra vez. Livre.
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Encaixa-te.
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