No dia em que te escolhi, deitei fora a minha infância.
Troquei-a pelos teus dedos na minha pele nua. Porque pensei que nua e no toque
dos teus dedos o sonho também sobrevivesse.
Ser criança era querer fechar os olhos à realidade. Viver na
imersão completa das minhas ilusões. Mergulhar na profundidade inóspita dos
meus pensamentos e dançar com as cascatas e as flores, juntamente com as
criaturas. Uma vinha e dava-me um medalhão. E ele permitia que respirasse sob
as águas. E eu nadava. Lado a lado com as sereias do meu pensamento.
Ser criança era fazer jogos inocentes de apanhada. Correr
com os ventos. Sentir a liberdade como um sopro e a adrenalina como uma
dormência no nariz e um aperto no estômago. “Não me apanhas”. E fugir. Ser
criança era fugir do tempo que me determinava os traços, cada vez mais
patentes, de uma forma de estar construída em tudo o que ficava depois da
fronteira de mim.
E as fadas perguntavam. Não queres amar? E as sereias
perguntavam. Não queres amar. E as ninfas perguntavam. Não queres amar? E os
faunos perguntavam. Não queres amar?
Ser criança era ser louca. Ser criança era responder-lhes
que sim.
E tu vieste. Uma emoção feita de uma loucura maior do que a
meninice dos meus jeitos. E as fadas sorriram. As sereias sorriram. As ninfas
sorriram. Os faunos sorriram. Mas eu não os vi sorrir. Porque tu sorriste. E,
subitamente, o teu sorriso era o único que iluminava os meus passos.
Todos os meus caminhos. Todas as minhas possibilidades.
Todos os meus trilhos. Subitamente, tudo era uno e levava a ti. Senti o sopro
do vento na tua direção. Senti o curso das águas na tua direção. Segui a
corrente, despindo-me da infância no caminho para os teus braços. Neles, nua,
achei que o toque dos teus dedos bastaria para manter vivos todos os meus
sonhos.
Escolhi-te. Como te escolhi! Acima das selkies e das fadas e
dos universos oníricos que, em tempos, tinham preenchido os meus dias. Fui tua
como nunca fui deles. Fui tua como nunca fui minha. Fui tua como nunca julguei
vir a ser de ninguém.
No dia em que te escolhi, deitei fora a minha infância.
Orgulhei-me de ser mulher. Um orgulho vazio de quase tudo. Na esperança de que
os teus dedos, na minha pele nua, mantivessem vivos os sonhos.
Cansados, talvez, da minha pele, os teus dedos acenaram em
adeus. E fiquei só. Em meu redor, notei: não havia fada ou fauno que sorrisse.
Havia vazio e descontentamento. E vontade de os afastar de mim. Ainda nua,
percebi o frio dos dias. Ainda nua, percebi que cresci. Ainda nua, percebi que
os teus dedos na minha pele não tinham servido para manter vivos os sonhos mas
apenas para os roubar.
Escolhi-te. Deitei fora a minha infância. Quando te escolhi.
Porque te escolhi. Não existe ser mágico que me pergunte. Não queres amar?
Todos eles sabem que te amo. E nenhum deles está.
Estou sozinha. Sozinha e vazia da criança que sorria em mim.
No dia em que te escolhi, deitei fora a minha infância.
Sabes, éramos felizes e não sabíamos.
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