terça-feira, 21 de agosto de 2018

A lista IV



Eu fiz uma lista. Duas. Três. Gosto de fazer listas. E pus-te nelas.


Começou por ser uma lista de sonhos para amanhã. Sobre as mãos que viríamos a dar, sobre o mar que veríamos em olhares de contentamento, sobre os dedos que enlaçaríamos, cheios de desejo pela vida. Uma vida que só seria plena se a lista nos incluísse aos dois.

Disseste que eu era a metade de ti que faltava e eu disse-te o mesmo. Sussurrámos. Enquanto enumerávamos as estrelas e lhes dávamos nomes. Uma delas – determinei eu, à revelia da NASA – era tua. Eternamente tua. Porque as estrelas são de todos e te dei a minha parte. Então, tinhas sobre ela poder de decisão.

Essa primeira lista que eu fiz, sobre tudo o que não éramos e podíamos vir a ser, foi uma espécie de trampolim do sonho para a realidade. E, então, fiz outra lista.


A minha segunda lista falava de perfeição. Em pontinhos muito concretos dizia que sabia que eu tinha chegado a um ponto de entendimento onde o próprio ato de fazer listas poderia não fazer sentido.

Não tínhamos espadas. Nem revólveres. Tínhamos as mãos dadas. Poemas nos olhos que sorriam. E éramos crianças a brincar ao faz de conta, acreditando ser mais fortes do que um exército e estar prontas para enfrentar, da vida, as agruras.

Rasguei essa lista. Rasguei-a porque acreditei que éramos donos do mundo e não nos faltava nada. Não fiz listas durante muito tempo.


O tempo. Foi o tempo que me levou de volta. “Apanha agora os cacos dessa folha de papel e os do teu coração!”. Uni-los era impossível. Então, escrevi outra lista. Nela, escrevi os meus motivos para ir embora e os meus motivos para ficar. O meu motivo para ficar. Tão forte, tão débil; tão certeiro, tão imaturo; tão quebrável.

Fiz essa lista para te dizer: eu sei que dói. Eu sei que custa. Eu sei que não é tão perfeito como a estrela que roubei do céu. Mas eu amo-te e pode ficar tudo bem. Vai ficar tudo bem. Amo-te. Amo-te. Amo-te.


Não ficou tudo bem. E, hoje, sentada entre quatro paredes cheias de sombra, nas ameias recolhidas da persiana, sinto entrar o toque do vento morno do verão. Não vai ficar tudo bem.
Esta é uma lista que podia estender-se por folhas e dias e universos. Não faltarão palavras. Nem sentimentos. Talvez falte apenas a vontade que me move pelos dias e me faz capaz de as escrever.

Se esta é uma lista sobre o que falta, eu poderia usar esta vida e as próximas com ideias e pensamentos.

Mas existe muito mais espírito de síntese na dor do que na felicidade. Porque, quando falar magoa, evitam-se palavras e pensamentos. Procura-se outra coisa, ainda que ela própria seja dor. Para camuflar dor com dor, esperando que ela pare de doer; tal como fazem os sábios dos ventos nos incêndios, quando erradicam fogo com fogo, esperando que pare de arder.

E a minha lista de um é bastante simples, para dizer o que foi e o que é. Quando tu estavas, eu tinha tudo. Quando tu estavas, estragámos tudo. E, agora que não estás, falta tudo.


Enumeremos o meu coração. Que já foi um. Elogiemos o meu coração. Que já foi teu. Enumeremos agora. O coração. De cacos no soalho. E nem a madeira é real. Flutuando. No centro de uma casa que não é um lar. E de uma vida onde falta tudo.

Tu-do.
Tu.
Uma vida onde faltas tu.


Esta é a lista. É uma lista muito breve. De tudo o que eu preciso. E nunca mais vou ter.





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