Modelo: Mariana Neves
Há um teto ruído na casa que um dia tive por lar. E as
telhas amontoam-se no centro da sala, onde a lareira rachada nada mais é do que
abrigo para a hera. Alguém pintou as paredes. Não com arte mas com traços
adolescentes, arcaicos, feios. E o entulho, debaixo dos passos, é uma espécie
de ferida na história padecente.
Em meu redor há caos. Dentro de mim também.
Sobem pedaços de silva pelas paredes. Escalam-nas. Picos
aguçados, criando o aviso desconstruído do tempo, que se acelera e se esbate.
Ama-me. Ama-me. Ama-me, por favor. Cada espinho é um espaço aberto na fenda dos
anteontens da casa. Mas a casa não sabe. Ainda lhe pendem sonhos no telheiro
que ameaça cair, preso apenas por algumas estacas de madeira podre.
Em meu redor há destruição. Dentro de mim também.
Alguém deixou o sofá, mesmo ao lado das escadas de madeira
que sobem para o piso que já cedeu. E que têm os degraus rachados, num ângulo
inusual e todo cheio de promessas. Entre ti e mim, são as escadas que cedem
primeiro. Porque nem tu nem eu estamos preparados para ceder. E eu digo.
Ama-me. Mas ecoa. O eco do vazio, do espaço vazio, do ruído vazio, do sopro
vazio. Um rugir do passado que podia ser promessa. Que foi promessa. Mas que
não se cumpriu.
Em meu redor há vazio. Dentro de mim também.
Um pássaro criou ninho no beiral. Mas o beiral tombou. E,
tombando, um pássaro desalojado abriu as asas e voou. Deixou para trás as
figueiras, de fruto ainda verde; as videiras com parras ressequidas; as amoras
negras e doces, suculentas e cheias de sabor. Um pássaro desalojado abriu as
asas e voou. Mas deixou no chão um ninho que alberga larvas sedentas dos ovos
que nunca pôs, misturadas com aroma ácido dos frutos que caíram, sem pássaro
que os comesse.
Em meu redor há desumanidade. Dentro de mim também.
Vivo, todos os dias, numa espécie de aldeia abandonada. Não
moro só. É aqui que também a morte se alberga quando fica cansada das pessoas.
E é com ela que, sentada no centro divino da árvore grande, velha anciã do
sítio, conto as histórias que fazem eco sobre as asas do pássaro desalojado no
meu peito. Ela ri. Eu também. Porque tem piada o caco da janela tombada nos
meus olhos, lágrima de cristal que se prende nos vasos e não sai. E rimos.
Justamente para não chorar.
Em meu redor há fragilidade, fraqueza. Dentro de mim não.
Não, meu querido, dentro de mim não. Olha em redor.
Nas aldeias destruídas ainda há paredes em pé. Dentro de mim
há o amor. Enquanto ele não tombar – olha bem nos meus olhos – enquanto ele não
tombar, dentro de mim há resiliência, força, infinitude.
Estavas enganado! Não são precisos dois para amar. Quando
amor é amor. Quando o amor é verdade. Pode ruir o
mundo. Mas o amor permanece.
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