Modelo: Mariana Neves
“Home is where the heart is.” (Gaius Plinius Secundus)
O meu sentir é pagão. Mas não lhe basta
ser pagão. É cigano. E nómada. Tem má fama. Anda descalço nas ruas. Maltratado.
Sujo. E cospe na mão que se estende. Não quer ajuda de ninguém.
Dizem que vagueia à procura do elogio
fácil. Que é por isso que, às vezes, veste as roupas domingueiras do sorriso. E
que estremece de fúria quando alguém tem pena dele. Não gosta de pessoas
condescendentes. Nem de condescendência. Na maior parte dos dias, nem sequer
gosta de pessoas.
O meu sentir tem as mãos calejadas. E um
corpo de pedra, impenetrável, que jorra sarcasmos e ironias a quem julga que os
sulcos são falhas. Defende que os sulcos são história. E diz que os ama mais do
que às superfícies limpas e desinfetadas das almas podres dos outros.
Dizem que ele é ácido. Não do tipo que
arde na língua mas do tipo que corrói quando cai no mármore. E também dizem que
é sincero. Mas uma sinceridade tão agreste que se toma, quase sempre, por
rudeza. E, mesmo não querendo, o meu sentir – que é nómada, pagão e cigano – dá
por si a preferir isso mesmo. O lado rude da vida. Mais honesto, diz ele.
O meu sentir tem os pés cortados. Não
conta a ninguém que, um dia, se alojou numa tenda que era um peito. Nem que lá
encontrou um conforto que a rua não tem. O meu sentir tem vergonha de ter
acabado novamente disperso e pedinte nas ruas do despejo. E não quer os
palácios. Não quer nenhum dos palácios. Com os seus pajens e príncipes e serventes.
Não. Ele não quer os palácios. Diz que são torrentes de cloaca que as pessoas
bebem como vinho do Porto, só porque alguém lhes disse que era bom.
Continua.
A vaguear pelas ruas solitárias onde não
há nem música nem estrelas e muito menos algo que una ambas.
Continua.
Cigano. Pagão. Nómada.
Não está à procura de uma casa mas de um
lar. Esse que é no sítio onde o coração está. E ouviu dizer, na esquina onde as
senhoras de saltos altos vendiam amor, que ele está no lugar onde a mente vai só
e sem pedir autorização.
Cigano, pagão e nómada, o meu sentir vagueia nas ruas. Não se dá. Não se vende. Não se quer. Mas sabe. Sabe onde
está o lar pelo qual anseia. E, justamente por saber, cospe na mão que se
estendem. Não quer ajuda de ninguém.
Anda quase sempre na direção contrária do
lar que deseja. É um sentir que não quer o coração largado. Prefere ser
sem-abrigo do que assassino de felicidades. E continua a rasgar os pés no
asfalto. E a enregelar as mãos no frio da vida.
Dizem que ele é pagão. Nómada. Acusam-no
de ser cruel. E ele segue. Cigano.
Dizem que ele não se dá porque não se
quer.
Ele não se dá porque não se tem.
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