Fotografia de Raul Pinto
Apagaram-me o sol. A luz dos olhos. Poentes. Aliás, toda a
gente o diz. Que eu sou sombra. Que eu sou negro. Uma espécie de buraco onde não há espaço para que caiba senão o vazio.
Disseram-me. Já perdeste o que nunca tiveste. Como se alguém
pudesse. Perder o que nunca teve. Senta-te e espera pela morte, que é melhor.
Eu sentei. Esperei. Pela morte. No escuro de mim e no vazio das auroras que
nunca nasciam nas paredes desse lar desfeito.
Não foi porque não quisesse levantar-me. Mas a desolação era
chumbo. A desolação era metálica e sabia a sangue. E eu só conseguia mover os
olhos para o soalho onde definhava, porque eles ardiam com as lágrimas, sempre
que eu tentava procurar o céu. E não havia céu. Eu sabia que não havia céu. Só
um teto repleto de rachas e humidade. Só um negrume igual ao meu, feito das
poeiras do antigamente.
Apagaram-me o sol. A luz dos olhos. Poentes. E, de rojo no
chão, olhos incansáveis de chão, enchendo o chão de rios que tinham nascente em
mim, eu desejei pés que me partissem os ossos. Adolescente desejo de chorar com
razão justificável.
Mas havia um rio. Um rio que se juntava ao meu, no meu chão,
de quando em vez, criando uma afluente de qualquer coisa inexplicável. Vindo,
sei lá eu de onde. Fazendo, sei lá eu o quê.
Servos da tristeza intemporal da vida, nenhuma das nascentes
que somos parecia mais do que o curso para um oceano de morte. E ambos
honrávamos os deuses da efemeridade. E ambos desejávamos a morte. Então,
descolando o rosto do soalho, quisemos saber. Pelo menos saber. Que outra
nascente é essa, que flui quando o sol se apaga. E a luz dos olhos. Poentes.
Os teus olhos eram mel. E mágoa. E tinham histórias sobre o
que podia ter sido e não foi. Histórias sobre a perda do que não se teve. Como
se alguém pudesse. Perder o que não tinha. E, sentando-me para ver melhor o que
me entrava, de forma tão inusitada, nos dias vazios, vi-te acender a luz. Essa
luz. Não a do sol. A dos meus olhos. Ortivos.
Escondemo-nos nas sombras. Permanecemos nas sombras. O sol
que não há secou o rio que não flui. Há uma luz acesa. Acendes-me. Dentro das
quatro paredes da casa. Sarando, aos poucos, as rachas do teto. E as minhas.
Acendes-me. O corpo débil. A mísera vontade. A vontade de
olhar para o céu na esperança de ver céu, sem ardor nos olhos. Acendes-me.
Sim. Em tempos, apagaram-me o sol. A luz dos olhos. Aliás,
toda a gente o diz. Que eu sou trevas. Que eu sou negrume. Dentro destas
paredes não sou. Os dias cabem nas pontas dos teus dedos. Acendes-me os olhos.
Gostava de acender os teus.
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Muito Bonito.
ResponderEliminarParabéns!