“Todas as coisas boas são selvagens e livres”. (David
Thoreau)
Quando olhou para mim. Pobre tonto. Viu-me mulher. E foi por
isso que nunca me amou. Mesmo que tenha, milhares de vezes, dito que me amava.
Louco. Mesmo depois de me ouvir falar. Mesmo depois das coisas que eu dizia.
Repetia. Insistia. Olhava para mim. Via-me mulher.
Eu nunca poderei ser amada por quem vê mais a mulher do que
o monstro. Por quem se ilude na carne e se acende só no desejo da subtileza
vil, incandescente e lasciva. Eu nunca poderei permitir que me ame quem quer
conter-me.
A minha natureza é agreste e a minha alma é selvagem. As
minhas mãos estão calejadas da vida e o coração virou rocha nas lides do
sentimento. Não sou terra que se colonize. Nem bicho que se adestre. Nem angana
que se dome. Nunca passei de um animal selvagem que todos julgam poder domar. E
nunca tive espaço em gaiolas e jaulas, por mais bonitas que fossem as suas
grades.
Fujo do toque de quem me quer cativa. Porque só me bebe do
peito, em taças do sentido, quem percebe o feio de mim. E eu estou longe de ser
a figura complacentemente bela que tantos escolhem ver. Sou crua. Cruel. Ser de
ódios e amores rudes. Condenada a detestar a maioria das gentes que respiram
nas proximidades de mim e a matar pelas outras, se necessário for.
Quem quer pouco de mim, ilude-se. Eu não sei dar-me no
limite do politicamente correto. Sigo as leis da floresta e não as leis dos
homens. Quando dou, dou tudo. Incluindo o que é funesto e infame e
desencantado. Sou o copo de veneno doce que arde na garganta e pára os órgãos
vitais. Sou mais morte do que vida. E sou o espelho em que ninguém gosta de ver
o seu reflexo.
Parem de tentar ofertar-me a jaula mais bonita. Eu não a
quero. Parem de tentar cativar a mulher, quando é o monstro de mim que se
exulta. Não quero as vossas gaiolas, nem as vossas caixas, nem as vossas
promessas. Quero permanecer selvagem e livre. Como todas as coisas boas.
Por isso, por favor, parem de amar a mulher. Pobres tontos.
Parem de olhar o bonito, com olhos que esquecem a feiura do monstro. Loucos.
Parem! Eu não vos pertenço. Eu nunca vou pertencer a ninguém, senão à terra e à
água. Eu nunca vou pertencer a ninguém senão ao ar e ao fogo. Eu nunca vou
pertencer ao homem quando posso ter a floresta.
Quem me amar, precisa de entender. Não estou à procura de
quem me ofereça a melhor forma de escravidão. Não quero ser encarcerada. Estou
à procura de quem se disponha a ser livre a meu lado. Estou à procura de quem
também não tenha medo da lama nem da chuva. Estou à procura de quem rasgue
joelhos a subir às árvores do tempo. Estou à procura de quem conheça o sabor,
meio mentolado, meio acre, férreo, da liberdade.
Eu sou selvagem. E é só isso que eu sou. Selvagem. Posso ser
liberdade. Ou morte. Ou loucura. O que não posso ser é essencialmente eu, em
cativeiro.
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... é tão assim... porque não acreditam? ... quem sabe imbuídos de um poder que nunca lhes foi concedido... o olhar diz tudo... tudo.. só vê quem sabe olhar... quem sabe voar...
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