"Some ancient call/That I've answered before
It lives in my walls/And it's under the floor."
(in SYML - Fear of the water)
É uma voz mais antiga do que a do oceano. E, sempre que ela
vier, eu vou segui-la. É uma voz mais áspera do que a terra arenosa das cidades
desérticas. E, sempre que ela vier, eu vou segui-la. É uma voz mais etérea do
que a do Vento do Norte. E, sempre que ela vier, eu vou segui-la.
Vou segui-la, sem fazer muitas perguntas. Sem querer saber
exatamente qual foi o recanto entreaberto de mim que me esqueci de vedar. Vou
aceitar que ela entre e permeie os recantos da alma com mestria. Deixar que ela
bata na porta do meu coração, até a arrombar. E que entre, com todas as suas
incertezas.
Talvez eu seja realmente a última a saber. Ou talvez seja a
primeira. Numa sala de espera de inesperados. Esperando o que ninguém sabe se é
possível ou desejável. Mas de olhos postos no agora, onde há a voz mais antiga
de todas. Dizendo. Vem.
E, sempre que ela vier, eu vou segui-la.
Às vezes conto-te este segredo, lábios nos lábios. Conversas
eternas onde não se profere palavra. Falamos a mesma língua. E somos
eternamente o sufoco da respiração que faz o coração duvidar se está na
dimensão do amor ou na dimensão da morte. Quando te conto este segredo, a voz
que soa não é a minha. É essa voz. Dizendo. Vem.
E, sempre que ela vier, eu vou segui-la.
Sinto-te na flor da pele, com a ponta dos dedos, o temor. Há
um oceano de dúvidas, todo feito de águas lamacentas. E se vier o tempo das
marés vivas? Os teus olhos perguntam. E se naufragares? Os teus olhos
perguntam. E se, feito pedra, te deixares arrastar para o fundo, como se, em
vez de homem, eu fosse âncora? Os teus olhos perguntam. Apetece-me silenciar o teu
temor. E dizer que ouças. Não a mim. À voz.
Uma voz mais antiga do que a do oceano. Uma voz mais áspera
do que a terra arenosa das cidades desérticas. Uma voz mais etérea do que a do
Vento do Norte.
Apetece-me pedir-te que a ouças. E acrescentar, num sopro:
sempre que ela vier…
É um inesperado que vem com os sentidos que compõe a palavra
amor sem letras. E que diz, sem voz: Eu sou a pegada que ninguém fez na lua. E
a lua sou eu. Eu sou a onda que ninguém cortou no oceano. E o oceano sou eu. Eu
sou a fronteira que ninguém cruzou a Norte. E o Norte sou eu. Não tenhas medo
da água. Não tenhas medo do futuro. Há uma voz mais antiga do que o medo. E a
voz sou eu.
A voz entrou. Não sei por onde. Não sei qual foi a ferida
que me esqueci de cobrir com cimento. A voz entrou. Dizendo. Vem.
Sempre que ela vier, eu vou segui-la.
Por favor, não tenhas medo.
Vem comigo.
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