Fotografia de Rui Guerreiro
Se o meu muro embater no teu. Será que algum quebra? Ou
seremos apenas dois muros encostados? Impenetráveis. Frios. A tentar sentir, no
frio que temos para dar, que ainda há, efetivamente, algo para dar em nós?
Encosto o frio de mim ao frio de ti. E sei que sou muro. E
sei que és muro. Então, sinto os lábios dizer palavras que não planeei, à
medida que faço de todo o “eu” um cavalo de Tróia, alado e destrutivo. Para
perguntar. E se fosses muro? E se eu fosse muro? E se deixássemos o mundo lá
fora e fossemos muro juntos?
Talvez, se uníssemos os nossos muros, conseguíssemos
elevar-nos. Ter uma posição estratégica que nos permitisse ver mais longe,
sobre as cabeças vazias do mundo. Ou, pelo menos, evitar que estas escalassem
por nós, arrancando bocados de pele e sonho. E se fosses muro? E se eu fosse
muro? E se nas nossas paredes impenetráveis houvesse frases de esperança?
Mas não nos basta, pois não? Ser muro. Porque os homens
derrubam muros. E o tempo os degrada. E nenhum de nós quer largar a estrutura
sólida das certezas. E nenhum de nós está preparado para se libertar das linhas
constrangidas do controlo. Então, além de muro, trazemos ainda a frieza
inflexível de ser fumo que ninguém agarra. Uma espécie de muro fantasma, feito
de muitas linhas de acidez e veneno. Implorando distância. Porque a proximidade
atormenta. Magoa. Mata. Aos poucos, numa tortura lenta de não se compreender
como é que tanta gente pode ser tão pouco.
Encosto o frio de mim ao frio de ti. E sei que sou muro. E
sei que és muro. E sei que sou fumo. E sei que és fumo. E sei que somos veneno
ácido. Talvez imunes à morte, embora ela se sinta a queimar nos intervalos de
corpo que se tocam, quando muros embatem e não quebram. Sinto-me mole por dentro,
debaixo do aço da pele. Assusta. Mas não assusta porque sejas muro e eu seja
muro; ou porque haja veneno e gelo dentro dos olhos que reviram perante a
néscia sanidade dos outros. Assusta porque me perco. E porque perco o controlo
ao perder-me. E porque as palavras grafitadas no meu frio se remexem. Fazem
“rumo” do “muro” e abrem rachas pequeninas, por onde deixam espreitar a minha
fragilidade. E fico com medo que, ao vê-las - essas fragilidades que são feitas
de sentidos - te assustes tanto como eu.
Eu sou muro. Frio. Tenho mil mortes a fazer de cimento entre
o titânio e a rocha e o gadolínio. A morte é mais forte do que as pedras e os
metais. Mas as fragilidades são sentimento. Mais fortes do que a morte. E
infinitamente eternos, quando a erupção principia nas pequenas fendas do doce
desassossego que me causas.
Somos muro. Precisamos de aceitar. Somos o pior tipo de
muro. Porque queremos desesperadamente que alguém entre e não deixamos entrar ninguém.
Porque sabemos que o somos e não nos importamos. Porque deixamos sempre a
felicidade à porta, lado a lado com todas as coisas inúteis.
No fim do dia. No fim da vida. Somos os culpados de não
ceder ao potencial do mundo. Os vilões da história que ninguém conseguiu ler. E
dois muros na beira do precipício de uma qualquer falha tectónica da mente
inquieta.
Eu sou muro. Tu és muro. O mundo não entende, nem fazemos
questão que entenda. Encosta-te a mim, nesse abraço frio de fumo. E se
deixássemos o mundo lá fora?
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