Eu, que não faço muito além de escrever, não queria
escrever-te. Não queria, primeiro que tudo, porque é difícil e desajustado. E,
no fim, porque serve de pouco ou nada. Não queria. E adiei-o. Fui adiando.
Mas, peço que me perdoes: precisei de escrever-te. Para me
devolver a mim. Para que te devolvas a ti. E para que não haja um nós para
devolver ao mundo.
Escrevo para pedir que me devolvas os meus sonhos.
Por um lado, é um sentimento egoísta. Porque me sinto, agora, capaz de realizá-los. Sem a tua sombra a peneirar o meu sol. Mas é também por ti, porque me parece que, para cumprires os meus – e eu bem sei que eles são bons no ornamento fotográfico da vida – parece-me que estás a rumar a paragens que não te são destino e que estás a esquecer-te de viver aqueles que tinhas antes de mim.
Gostava que, com eles, me devolvesses o meu coração.
Bem sei que te disse que o guardasses. Disse-o porque achei
que, se o tivesse, ia mutilá-lo. Mas descobri, entretanto, que usas nele facas
de cerâmica, rasgando-o de desapego e com mentiras. E prefiro que ele morra
esfaqueado pelas minhas próprias mãos, com as minhas facas de serrilha, feitas
de carinho e de todas as minhas verdades.
Para evitarmos o constrangimento de novos encontros, onde
finjas que, entre nós, há traço de palavra ou carinho e nos quais me veja ruína
de monstro, bombardeada por todas as mentiras inocentes que não quero ouvir
mais, gostava que aproveitasses para me trazer as palavras que te dei.
Faltam-me no dicionário e a sua falta incomoda. É muito difícil ir à procura de
um “foda-se” e não passar primeiro por palavras como “amizade”, “amor”,
“companheirismo”, “eternidade” ou “felicidade”. Se puderes, traz-mas. Essas
palavras. Fechadas numa caixa com buraquinhos para que possam respirar mas não
as usemos.
Não vou roubar-te muito tempo. Não te preocupes. É só o
tempo de trocar dois beijos largos no rosto meio desencontrado. Sentir queimar
onde ardia. Dizer “olá, como estás?”. Mentir. Ouvir a mentira reciprocada.
Trocar as tuas coisas pelas minhas e dizer que devíamos ver-nos mais vezes,
falar mais ou marcar um café que ambos sabemos que nunca terá lugar.
Escrevo-te. Para pedir que me tragas os sonhos, o coração e
as palavras.
Vou aproveitar para te levar as tuas promessas. Estão
quebradas, eu sei. Mas talvez ainda as consigas usar para ornamentar alguma
prateleira ou vender para peças.
Eu sei… também devia levar as memórias… porque são tuas.
Mas, se não te importares, vou guardar as memórias comigo. Sabes? Muitas delas
são desoladoramente tristes. Podem trazer-te mágoa. E essa é a única razão pela
qual prefiro que continues sem elas. É que, apesar de tudo, nunca deixei de
amar ninguém que tenha amado. E não quero fazer-te chorar.
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