Toda a gente sabe que o amor nasce de noite, quando está
escuro. Toda a gente sabe. O amor não é cego. Mas escolhe a noite. Para não
ver, tão concretamente, naquele aproximar de dois rostos, as sombras que a luz
causa. E onde o potencial da falha está escrito. E onde o fim anunciado já
ondeia, fantasmagórico.
Aprendi a duvidar, na noite. Porque toda a gente sabe que o
amor escolhe a escuridão. E toda a gente sabe que ele escolhe a escuridão para
nos iludir. Seria bom que a lua reservasse para si as emoções e elas não
entrassem pelos nasceres do sol lá fora. Mas, à luz do dia, tudo é diferente.
As florestas serão, talvez, menos assustadoras. Mas o amor? O amor é muito mais
aterrador quando o dia nasce.
Eu sei. Como toda a gente sabe. O amor nasce de noite,
quando está escuro. O pó sobre a mobília não é falta de brio mas passagem de
fada. As rachas na parede não são falta de condição mas traço no centro de
frases inacabadas em nosso entorno. E as manchas no sofá não são memória de
conteúdos derramados mas vias lácteas no Universo onde os corpos se entregam,
juntos, a viagens espaciais. Naquele Espaço de não haver espaço entre os
corpos.
E a iluminação das ruas, nessas noites onde o amor nasce,
não tem lágrimas pendentes nos olhos. Fazem-se conversas que geram bateres
desajustados no peito agreste. E dizemos. É possível. Não porque seja possível.
Mas porque, no escuro, nos esquecemos dos meandros da impossibilidade.
Olho para ti e olhas para mim. Toda a gente sabe que o amor
nasce de noite, quando está escuro. E devíamos, tu e eu, esperar pelo dia. Pelo
sol. Pela racionalidade. Mas, de repente, algures, cai uma estrela. E nós não
vemos estrelas cadentes porque eu olho para ti e tu olhas para mim e existe um
abraço que quer dar-se.
Tu sabes. Eu sei. Devia ser só um abraço. Uma despedida. Por
hoje. Um beijo pendente para outra vida, onde seja mais certo, mais atempado. Mas
toda a gente sabe que o amor escolhe a escuridão. E nós somos seres noturnos,
lado a lado.
O abraço parte-se. O amor nasce de noite, quando está
escuro. E é errado. Mas não parece errado. Não sinto que é errado. De repente, tens
um segundo para salvar a tua vida. O abraço parte-se. O beijo troca-se. A noite
é menina.
Quando o sol vem, à luz do dia tudo é diferente. As
florestas parecem menos assustadoras. O amor não. O amor é muito mais aterrador
na claridade. Porque, mesmo nascido nas entranhas sombrias da obscuridade,
quando o amor nasce é difícil de esconder e impossível de matar.
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