Achei, durante muito tempo, que tinha tudo para ser rica menos
o dinheiro. Mas os anos passaram…
Por não ter dinheiro para ser rica, apaixonei-me pelas
estrelas. As estrelas. Aquelas simples e cintilantes, no nosso céu onde durante
mais de trezentos dias por ano nem chove. E as estrelas. Deuses, como explicar?
As estrelas faziam-me feliz. Não é o céu d' A Noite Estrelada de Van Gogh que me
faz sorrir. É aquele, ali em cima, sem ingresso de museu nem avaliação
milionária. Aquele que resplandece mais nas noites mornas do Verão alentejano e
que se estende depois do ato inicial de um pôr-do-sol sempre diferente.
Por não ter dinheiro para ser rica, apaixonei-me pela
sensação das mãos cheias. Mas nunca foi o abraço anelar da prata e do diamante
que me fez falta; nem o ouro; nem os sacos com compras disparatadas. Sempre foi
a sensação das mãos cheias da massa de piza feita à mão, preparando risos para
mais logo. As mãos repletas de tinta de guache e de tinta-da-china, preparando
projetos para os sobrinhos. O cheio dos teus dedos nos meus, envolvendo os
meus, sem promessas, de uma forma que firmou compromissos da forma que nenhum
anel pode.
Por não ter dinheiro para ser rica, apaixonei-me pelo chão
quente. Não pelo chão aquecido dos hotéis de cinco estrelas. Pelo chão quente
do sol batido a pique pelo meio-dia. Ao lado das lagoas e dos montes.
Apaixonei-me pela sensação de pés, que não precisam de ter sapatos da melhor
pele para se descalçarem e comprarem o prazer da vida nas areias e nas terras e
nos lodos da floresta. Sempre a pensar o mesmo. Eu tinha tudo para ser rica, menos o dinheiro.
Por não ter dinheiro para ser rica, apaixonei-me pelos
sabores. Não pelos sabores gourmet dos pratos faustosos, dignos da mesa real e
servidos em restaurantes magnificentes. Pelo frango assado comido à mão à roda
de mesas de piquenique com a família. Pelas tostas mistas feitas às três
pancadas e os hambúrgueres com demasiado molho e as batatas com demasiado óleo
em bares nas noites com os amigos. Pelas empadas aquecidas no micro-ondas no
café da minha irmã. Os sabores salgados, misturados com o doce do amor que se
entrega em gestos simples.
Por não ter dinheiro para ser rica, apaixonei-me pelas
viagens. Não por aquelas que se fazem a Paris e ao Cairo mas por aquelas que se
fazem dentro da cabeça, com as imagens e as palavras a servirem de meio de
transporte. Descobri que elas me levam a quase toda a parte. Incluindo a
lugares que não existem. E não existem épocas altas e épocas baixas, senão as
dos sentidos e as dos sentimentos.
Tudo o que fiz foi, talvez, feito por não ter dinheiro para
ser rica. Por ter apenas o suficiente para viver dignamente. Sem direito ao
extraordinário ou à opulência. Num mundo onde tudo se compra e as pessoas se
vendem por tão pouco, eu achei, durante muito tempo, que me faltava o dinheiro
para ser rica. Mas hoje, quando olho para todas as coisas que amo, eu
compreendo: é justamente por não ter dinheiro para ser rica que eu o sou.
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