Fotografia de Analua Zoé
Será?
Será que Deus não
nos quer completos?
As caixas são
fechadas antes de se fecharem os caixões e os olhos, para que os caixões se
fechem. Acordamos neles! E o caixão é o corpo que ainda sonha. O corpo que
ainda sofre. O corpo inerte, de coração destruído ou pulsante. A querer ser
pássaro. A matar pela ideia de vir a ser pássaro. Sem nunca o ser.
Há quem não tenha
liberdade. Quem não tenha amor. Quem não tenha liberdade de amar.
Será que Deus não
nos quer completos?
A pergunta soa a
chuva. Talvez porque, essencialmente, caia. Ácida. No ácido de pensamentos
poluídos que queriam ser sonho primeiro e inexistência a seguir. Na dimensão do
que não acontece. Do que não é. Do que não poderia ser, ainda que se tentasse
que fosse. A pergunta soa a chuva. Bate nos vidros da mente. Gota. Gota.
Enxurrada de pensamentos. A pergunta é ácido que queima nas veias.
De repente, o céu
abre. E o céu é azul. O tempo passa com as estações. E nós saímos no apeadeiro
do tempo. Tarde. Tão tarde que partiram todos os comboios. Ficamos apeados,
algures no inferno que se monta entre invernos e primaveras. Neste jardim, as
flores nascem murchas. A semente era ópio. A semente era azul. E pergunta.
Será que Deus não
nos quer completos?
Risco.
Recomeço.
Não recomendo:
nem riscos, nem recomeços…
Recomeçar dói
como riscos de cicatriz da pele, quando a caixa se fecha antes dos olhos. É ter
de explicar tudo outra vez. De olhar para o negro que se faz dentro, mexendo no
borro de uma alma que caiu em muita lama antes de largar as transparências.
Lavar essa sujidade com água da fossa de nós. Recomeçar dói.
E há, algures,
quem não tenha liberdade. Eu não tenho! E há, algures, quem não tenha o amor
que me sobra. Sobra… mas por não ter liberdade de amar.
Com o passar dos
anos, a liberdade foi-se com a ilusão e os amores foram-se em busca de amores
melhores. Descobri que o tamanho do amor que eu tenho em mim é desajustado à época.
Pesado e pouco ergonómico. Nada fácil de transportar nas mudanças e
essencialmente descartável por não ser portátil…
Não foi só isso
que descobri. Também descobri que os anos não nos dão mais respostas… mas mais
perguntas. Todas resumidas numa só.
Será que Deus não
nos quer completos?
Esta e a pergunta
que sobra. Sobra. Como o amor em
mim! Esta e a pergunta que sobra: Será que Deus não
nos quer completos?
Mas não sabemos
se acreditamos na plenitude desse “completos”.
Sabemos só que
(já) não acreditamos em Deus!
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