As palavras que digo. Será que as
entendes? Às vezes não sei. Talvez porque sinto a pressão das paredes farpadas
da pele a impedir os dedos de escrever concretos. Falo uma língua nova. Para
ti. Não é por mal.
Peço que entendas. Sou fã das
palavras e do seu poder. Mas, por lhes conhecer o poder, também tenho medo
delas. E, por isso, eufemismos não me são raros. Digo pouco e quero que leias
muito. Vivo de contrassenso. Por favor. Deixa-me traduzir as frases soltas que
te digo.
Às vezes, digo-te “olá” pela
manhã. O que quero dizer é que acordei contigo no pensamento e o desejo, mais
do que meramente leve, de que pudesse estender o braço e encontrar-te na cama.
O que quero dizer é que, se estendesse a mão e estivesses ali, teria outras
formas de cumprimento, feitas entre a simplicidade de um beijo e a criatividade
do que viesse depois. Então, quando te digo “olá” pela manhã, esse “olá”
transporta o mundo do desejo cativo na noite dentro e todos os pensamentos
feitos de ti pela madrugada.
Nem sempre te digo “olá” pela
manhã. Às vezes, troco-o por um “boa tarde”, depois de algumas horas de
trabalho. O “boa tarde” significa o mesmo que o “olá” matinal. Mas significa,
também, que tenho medo que me julgues chata ou maçadora, nas minhas repetições
rotineiras. Então, quando digo “boa tarde”, estou a dizer que me lembrei de ti
pela manhã e que te mantive no pensamento latente, até chegar um horário mais
apropriado para poder dizer-te que pensei em ti, sem que seja tão óbvia e
evidente a urgência que me faz dizer-to.
Falo do meu dia. Não importa as
palavras que eu uso. A tradução é simples. Quero saber do teu. Não por mera
curiosidade ou porque tenha algum tipo de direito a investigar os
acontecimentos da tua rotina. Simplesmente porque quero saber se estás bem.
Porque quero saber se, algures, entre o ponto A, B e C dos teus trajetos
aconteceu algo que te fizesse sorrir ou ficar triste. Gosto de te imaginar a
sorrir. Também é isso que dizem os bonequinhos prefabricados das janelinhas de
conversação. Gosto de te imaginar a sorrir. Ficas com um jeito menino que me
leva, também, a um tempo livre de preocupações. A um tempo livre. A uma
liberdade sem tempo.
Digo que “vai ficar tudo bem”.
Muitas vezes. Traduzir isto seria dizer que não faço a mínima ideia de como
tudo vai ficar mas que desejo, mais do que a minha própria felicidade, que o
dia e o mundo e a vida promovam a tua. E sei que não acreditas nas minhas
previsões, baseadas em coisa nenhuma senão na esperança. Mas repito. Porque
quero que, ausente de fé, possas agarrar com o canto do olho um pouquinho da
minha.
Às vezes não digo nada. Mas também
os silêncios têm tradução. Nunca significam, contrariamente a más
interpretações, desapego ou desinteresse… e muito menos que não ponteaste o meu
pensamento. Às vezes, os silêncios significam que tudo o que tenho para dizer
não cabe em palavras. Às vezes, significam que não quero ser aborrecida ou
inoportuna. Às vezes, significam que estou a precisar que sejas tu a dizer algo
porque preciso, num momento de puro egoísmo, de saber que te lembraste de mim,
mesmo sem o estímulo da minha primeira palavra.
Interrompo o silêncio. Tantas
vezes. Só para dizer que gosto de ti. “Gosto de ti”. Talvez me escape, sei lá,
que te adoro. Aqui e ali. Sem contexto nem razão. Frases loucas e versos
soltos. Comprometidamente largados, como se me queimassem na alma, se não
fossem escritos. A sua tradução é simples. Estou a apaixonar-me por ti. Estou
apaixonada por ti. Tenho um medo terrível de que saibas que estou apaixonada
por ti. Tenho ainda mais medo de que não o saibas. Cabem tantos medos dentro
desse “Gosto de ti” que ele parece uma espécie de roteiro pela floresta negra
do meu peito. Essa na qual só tu te aventuras e só tu te entendes.
Digo que tenho saudades. “Tenho
saudades tuas”. Diria que tenho saudades nem que tivesses saído há meio
segundo. “Tenho saudades”. As saudades não precisam de tradução. Na verdade,
nem existe tradução que se dê. É uma palavra intraduzível. Mas, se tivesse de
explicar, diria que é um sentimento de falta com uma pitada de amor.
Amor. Essa é uma palavra que não
se diz. Mas, se um dia a traduzir, há de ser em gestos.
Muito bom, parabéns!
ResponderEliminarObrigado por trazeres à luz o que sentimos e pensamos. És uma tradutora de almas.
ResponderEliminarEste texto é um pessoal favorito. Voltarei várias vezes a ele no decorrer da minha vida.