Podia pedir-te que fizesses o meu mais doce. Como antes. Mas eu sei que tu sabes. Melhor do que eu. Fazer essa gestão de amarguras. Deixo-te verter medidas convencionadas e misturar dois ou três condimentos. O cocktail vem num copo de mágoa. E bebo-o de um trago. Sabe-me a dor. Digo que está perfeito. Sabe aos poemas, digo-te. Na vida, compreendo, não existe nada senão a felicidade e a poesia. E tu, que me serves ambos num copo só.
Depois de beber, fica o gelo. O gelo derrete aos poucos. Fragmento frágil de intensidades desertas. Deixa pequenas marcas condensadas no exterior. Água-lágrima de um copo sem motivo para chorar. Água-livre das prisões do vidro onde flui, corre e mancha a mesa sobre a qual ninguém se lembrou de pôr uma base.
De repente, os olhos que pousam sobre os teus são algas de oceanos inexplorados. Casa de moreias e de animais atrozes, com peles aquáticas e escamas finas. Estou no seu meio, simplesmente a olhar para o copo, onde ondeia a memória do fel. Sabe-me a dor. Digo que é perfeito. Sabe a poema. Não há, repito, nada entre a felicidade e a poesia. São as duas únicas coisas que existem dentro e fora do copo.
A luz da lua é-lhe emprestada mas chega. Na vida, só nos fere o que é nosso – ou foi. Começo a achar que prefiro assim. A luz emprestada da lua, a casa arrendada, o amor em segunda mão. Começo a achar que a luz perfeita para um copo de mágoas é justamente a da lua. E ela nasce cedo precisamente para me dar um toque de cor ao ambarado do líquido vítreo que veio amargo. Como qualquer poema que se preze.
Perguntas-me. Se está bom. Está. Não há nada na vida além da felicidade e da poesia. Ambas filhas do amor e suas donas. A felicidade e a poesia. Não há mais nada na vida.
O copo fica repleto de água que foi gelo depois de ser água.
Perguntas-me se sou feliz.
Respondo que sou poeta.
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