terça-feira, 10 de agosto de 2021

Violeta

 



Olhei para ela, na sua simplicidade verde. E perguntei-lhe. Voltarás a dar flor um dia?

 

Ela não sabe. Como não sabe, não me respondeu. Contentou-se com o facto ser verde e haver luz para beber na manhã. Contentou-se com o toque da água fresca, servida na véspera. E permaneceu. Na sua simplicidade. Colhendo a simplicidade. Sem se importar com as primaveras pouco floridas.

 

Tratei-a pelo nome. Ciosinha. E dei-lhe um pouco mais de carinho. Olhar contemplativo e preocupado. Quase de mãe. Cuidadora informal. Notando as nuances entre folha e folha. Os rebentos mais pequeninos e inesperados. Sorrindo-lhe.

 

Voltarás um dia a dar flor?

 

Ela não sabe. Dar flor. Pouco lhe interessa. Interessa-lhe ser forte e frágil. Ao mesmo tempo... Sei lá porquê.

 

Digo-lhe que não sei cuidar de plantas. Ela diz-me que é como cuidar de idosos. Um pouco de carinho. Um pouco de alimento. Um pouco de água. Um pouco de dedicação. Isso, explica-me, é o essencial para as raízes. Confesso-lhe que, desde que veio para as minhas mãos, há muitos dias em que me falta a força. Como se não tivesse, também eu, a substância base que nutre as minhas raízes. Conto-lhe que as mãos enrugadas que dela tratavam eram também as que me cuidavam a mim. Que as minhas próprias folhas estão débeis e meio secas desde que essas mãos não me regam. Que há dias em que quero adormecer na terra, desenterrar o que sobra dos meus pés no solo. Ser alma e ir. Ir. Ter com ela a todos os jardins celestes onde imagino que passeie, novamente com as tranças da meninice. Estendendo o seu verde corpo ao sol, ela sorri-me. E eu pergunto. Voltarás um dia a dar flor?

 

Ela não sabe. Tal como eu não sei o que me leva pelos dias, sobrevivendo à falta. Mas vou verificando, diariamente. Não lhe falte sol ou água ou carinho. Sol, água e carinho é o essencial. O resto é lucro.

 

Novos rebentos de folha verde nascem no centro. A vida renova-se e sinto saudades das mãos que cuidavam a violeta. A violeta que me deste. Como dizia a voz dessas mãos.

 

Não sei, avó, se a violeta que te dei voltará a dar flor. Pergunto-lhe e ela não me sabe dizer. Também não sei se ela sobreviverá nas minhas mãos, porque não são as tuas. Mas, desde que foste, estou a dar o meu melhor. Há rebentinhos verdes aqui. Vês? E dou-lhe sol, água e carinho. Os essenciais.

 

E, todos os dias, quando penso nas minhas próprias folhas débeis e meio secas, na vontade de adormecer terra e desenterrar o que sobra dos meus pés no solo para ser alma e ir, lembro-me que ainda existe. A violeta que te dei. E acordo mais um dia. Para lhe dar amor. Amor em forma de sol, água e carinho.

 

Porque enquanto ela estiver aqui, na sua simplicidade verde, uma parte de ti também está.

 

E a flor é essa.


Marina Ferraz





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