Olhei para ela, na sua simplicidade verde. E perguntei-lhe. Voltarás a dar flor um dia?
Ela não sabe. Como não sabe, não me respondeu. Contentou-se com o facto ser verde e haver luz para beber na manhã. Contentou-se com o toque da água fresca, servida na véspera. E permaneceu. Na sua simplicidade. Colhendo a simplicidade. Sem se importar com as primaveras pouco floridas.
Tratei-a pelo nome. Ciosinha. E dei-lhe um pouco mais de carinho. Olhar contemplativo e preocupado. Quase de mãe. Cuidadora informal. Notando as nuances entre folha e folha. Os rebentos mais pequeninos e inesperados. Sorrindo-lhe.
Voltarás um dia a dar flor?
Ela não sabe. Dar flor. Pouco lhe interessa. Interessa-lhe ser forte e frágil. Ao mesmo tempo... Sei lá porquê.
Digo-lhe que não sei cuidar de
plantas. Ela diz-me que é como cuidar de idosos. Um pouco de carinho. Um pouco
de alimento. Um pouco de água. Um pouco de dedicação. Isso, explica-me, é o
essencial para as raízes. Confesso-lhe que, desde que veio para as minhas mãos,
há muitos dias em que me falta a força. Como se não tivesse, também eu, a
substância base que nutre as minhas raízes. Conto-lhe que as mãos enrugadas que
dela tratavam eram também as que me cuidavam a mim. Que as minhas próprias
folhas estão débeis e meio secas desde que essas mãos não me regam. Que há dias
em que quero adormecer na terra, desenterrar o que sobra dos meus pés no solo.
Ser alma e ir. Ir. Ter com ela a todos os jardins celestes onde imagino que
passeie, novamente com as tranças da meninice. Estendendo o seu verde corpo ao
sol, ela sorri-me. E eu pergunto. Voltarás
um dia a dar flor?
Ela não sabe. Tal como eu não sei o que me leva pelos dias, sobrevivendo à falta. Mas vou verificando, diariamente. Não lhe falte sol ou água ou carinho. Sol, água e carinho é o essencial. O resto é lucro.
Novos rebentos de folha verde nascem no centro. A vida renova-se e sinto saudades das mãos que cuidavam a violeta. A violeta que me deste. Como dizia a voz dessas mãos.
Não sei, avó, se a violeta que te dei voltará a dar flor. Pergunto-lhe e ela não me sabe dizer. Também não sei se ela sobreviverá nas minhas mãos, porque não são as tuas. Mas, desde que foste, estou a dar o meu melhor. Há rebentinhos verdes aqui. Vês? E dou-lhe sol, água e carinho. Os essenciais.
E, todos os dias, quando penso nas minhas próprias folhas débeis e meio secas, na vontade de adormecer terra e desenterrar o que sobra dos meus pés no solo para ser alma e ir, lembro-me que ainda existe. A violeta que te dei. E acordo mais um dia. Para lhe dar amor. Amor em forma de sol, água e carinho.
Porque enquanto ela estiver aqui, na sua simplicidade verde, uma parte de ti também está.
E a flor é essa.
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