Ideologicamente eu gosto. Muito. De gomas e solidão. Mas é só mesmo ideologicamente...
Na realidade, sempre gostei muito de chocolate. De rebuçados. De bolos. De bolachas. De caramelos. Mas nunca achei verdadeira piada às gomas. Mesmo em criança, se pedia gomas, o entusiasmo da cor e da forma, engraçadas e atrativas, esbatia assim que, colocando uma na boca, me era desfeito o apelo.
É um pouco o que acontece quando as pessoas vão e eu fico. Quando a festa acaba. Quando sobra o silêncio a ecoar nas paredes. Quando as memórias entram, sem serem convidadas, e me contam histórias que já ouvi mil vezes. Obrigada, mas ainda me lembro. Digo-lhes. Elas não querem saber.
Ouve-se o temporizador do forno no silêncio. Mas, dele, não vão sair os biscoitos que a minha avó fazia. Ouve-se o tiquetaque de um relógio. Mas já não é o meu avô a dar corda ao velho relógio da sala, que herdei, mas ficou assim: parado. Como os corações deles.
Sou apaixonada pelas cores e sabores da minha própria companhia. E pela respiração pesada da gata, que principalmente nos meses mais frios dedica o seu tempo às árduas atividades de comer e dormir. Mas, quando as pessoas saem e a gata fica comigo e a minha solidão. Quando levo aos lábios esse entusiasmo de me ter em pleno, com essas cores e formas engraçadas e atrativas, descubro que a solidão – e até a solitude – quebram muito do seu apelo.
Eu até gosto do sabor... mas a textura...
Parece borracha. Parece borrão. Parece borrada. O tempo todo condensado nessas gomas de solidão, feitas com os restos dos restos dos restos, com tendões e ossos e cartilagens. Com aparas, restos de pele e de couro. E a transbordar conservantes. E com corantes que tentam pintar um quadro, maquilhando a imagem do vazio de forma exagerada.
Ideologicamente eu gosto. Muito. De gomas e solidão. E, entendam... até gosto do sabor... mas há a textura e o saber como elas se fazem e constroem... há o que fica além das tonalidades falsas e dos sabores artificiais.
Penso que me cansa justamente o artificial. E que é por isso que, às vezes, me compro um saco de solidão, mesmo sabendo que me desiludo com ela. Talvez eu prefira chocolate. Rebuçados. Bolos. Bolachas. Caramelos. Gente. Talvez eu prefira fruta. Legumes. Sementes de linhaça e de riso.
Eu até gosto do sabor das gomas e da solidão. Mas a textura é rija demais para os meus dentes e a minha alma dócil. Penso que me cansa o artificial.
Por isso, se puderes, passa no mercado. Traz-me fruta a sério e um pouco de real companhia.
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