Comecei a escrever poesia quando não sabia o que ela era. Se soubesse, naquela altura, talvez nunca tivesse começado.
Foi um choque. O dia em que percebi que a poesia era livre, mas não era liberdade. Comecei a escrevê-la, julgo, talvez porque achei que fosse. Liberdade. Ela riu-se, mas eu achei que era comigo e não de mim... Depois, tomou-me de assalto e sorriu de soberania. Sussurrou-me ao ouvido. Agora és minha. E eu era.
Com a necessidade insensata de me dar a ela todos os dias, eu fui-me esquecendo, aos poucos, de ser gente. À medida que me fazia poeta. Tentei avisar algumas pessoas de que estava doente. Com essa doença. De ser poeta. Mas os adultos pareciam impressionados e felizes com a ideia e nunca me arranjaram uma solução para o problema. Escreve, escreve... o incentivo à loucura. E eu, igualmente louca, frágil, continuava a escrever. Não porque me diziam que o fizesse, mas porque não tinha realmente outra escolha.
Fui desenvolvendo, a pouco e pouco, um amor pelas palavras que me mantinham em cativeiro. Como se, em vez de me torturarem e prenderem, elas me tornassem mais plena. Uma espécie de síndrome de Estocolmo. De repente, escrever era droga. E eu recorria a ela com a mesma sofreguidão louca de quem se arrasta nas ruas, pedindo temas e títulos como quem pede trocos, para os gastar mal-gastos nesse ácido do poema sem o qual – insisto – não sei viver.
Temos poeta. Diz uma voz no fundo da sala, quando imploro por ajuda. Dizendo. Isso. Que as palavras me escravizam. Mas não. Digo. Não sou poeta. Sou quase-poeta. Se fosse poeta aceitaria, de forma mais leve, a subjugação. Sem me apaixonar também pela Morte e a sua presença suave nos meus dias.
Comecei a escrever poesia quando não sabia o que ela era. Se soubesse, naquela altura, talvez nunca tivesse começado. Mas é a beleza da vida. Antes de sabermos, não sabemos. E, como não sabemos, avançamos. Temos curiosidade de descobrir. Como a criança tem curiosidade de saber o que acontece caso ponha os dedos nos buraquinhos da tomada. E é um choque. Descobrir.
Enquanto escrevo este texto, Poesia e Morte ocupam os espaços tensos dos meus ombros e sussurram ao meu ouvido. Discutem o meu epitáfio.
Aqui jaz uma artesã de textos
Aqui jaz uma amante do ocaso
Aqui jaz uma escrava de ideias
E eu aproveito a sua discussão, despida de mim, para morrer um bocadinho no espaço da respiração e ser. Sem complemento.
Lembro que comecei a escrever poesia quando não sabia o que ela era. Se soubesse, naquela altura, talvez nunca tivesse começado. Quase-poeta, hoje, proponho, então, um epitáfio melhor.
Aqui jaz.
Há uma simplicidade poética neste vazio. De ser um ponto final. Depois de um verbo. No fim de uma vida. De uma vida que, na verdade, não foi minha. Porque comecei. A escrever poesia. Sem saber que ela era livre. Mas não era Liberdade.
Se quiserem adquirir o meu novo livro "[A(MOR]TE)"
enviem o vosso pedido para marinaferraz.oficial@gmail.com
Sem comentários:
Enviar um comentário