Nasci vinte anos depois de o homem pôr os pés na Lua a pensar na Terra. E vivi mais vinte, sempre de cabeça na Lua e com os pés na Terra. Mas disseram-me para parar. Para largar os sonhos. Para descer – toda eu – ao planeta que me foi mãe. Para acordar.
Dei por mim longe da Lua. Por causa do que me disseram. Um dia. Para acordar. Dei por mim longe da Lua. Por (a)caso. E achei, muitas vezes, que isso era sinónimo de desistir.
Eu tinha vinte anos e os pés na Terra. E a cabeça na Terra. E a racionalidade nos comandos pela primeira vez. Ainda tinha – e tenho – o hábito de andar nas pontas dos pés. Mas enraizei com os dedinhos da frente e coloquei neles o peso de decisões demasiado mastigadas, que me foram servindo para muito pouco além de elogios ocos e notas numa pauta sem som, afixada na parede e que não tocava outro instrumento que não o da autoridade tosca.
Dei por mim longe da Lua e a olhar para as pautas, procurando uma melodia. Na beira do abismo. No limite do penhasco. E sem saber apoiar o calcanhar. No ponto do desequilíbrio.
As notas do piano salvaram-me da queda. Disseram-me para parar. Para agarrar os sonhos. Para não descer ao que fica abaixo do solo dentro do caixão do conformismo. Para acordar. Para acordar da racionalidade imbecil que me tinham imposto. Ou que eu tinha aceite, por (a)caso.
Com o som do piano era fácil ver os tons de laranja no horizonte. Lembrar que eu sempre quis o horizonte. Pedir. Toca-me uma melodia de Chopin e leva-me. Ao horizonte. Gota de chuva a gota de chuva. Ou lembra Bethoven e dá-me uma Sonata ao Luar.
Nessa canção – e eu que estava tão longe da Lua! – voltei lá. Ao que já tinha sido. Ao que já tinha esquecido. Ao que sempre fui e larguei. Cabeça na Lua e pés na Terra.
Pelo caminho silenciaram muitos pianos e afastaram muitos horizontes. O cheiro do mar foi-se substituindo pelo da solidão e o da saudade. As memórias olfativas do café matinal trouxeram-me de volta a mim. E recuso-me a não amar a melodia que me salvou da realidade. Recuso-me a não amar a melodia que me tocou as teclas da alma e do coração, até que a própria Lua as dançasse. Mas, pés no chão e cabeça na Lua, amo a melodia hoje porque quero que toque, feliz, aos ouvidos de quem a entenda, a abrace e a acarinhe. E amo até esses ouvidos que a escutam e apreciam, sem que os veja ou conheça.
A melodia soa. Ressoa. A memória olfativa transforma café em erva-lima. E danço. Construindo amor nos passos aterrizados, à medida que desço das pontas dos pés para sentir o chão inteiro.
O abraço tem a forma do cantar da vida. Do candar da vida. Vou candando. De calcanhar no chão, sinto finalmente o equilíbrio e assumo a altura que é a minha e que nunca tive.
Agora sei quem sou. Nasci vinte anos depois de o homem pôr os pés na Lua a pensar na Terra. E vivi mais vinte, sempre de cabeça na Lua e com os pés na Terra. E agora tenho os pés bem assentes na Terra e a Lua nos braços.
Sinto-me Nova. Mas estou Crescente. E Cheia de tantos, tantos sonhos para amanhã...
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