Reverbera em nós. Cada palavra dita. E todo o pensamento inaudito. Não está na camada cutânea. Não é mancha. Nem sombra. Nem corte. Nem tatuagem. Os outros não veem. Nós esquecemo-nos de olhar. Fica lá. Algures. Até ao mergulho.
Soou. Trovão. Tinha muitas estórias tristes para contar sobre os tempos da felicidade. Um eco silente. E eu andava. E os outros não viam. E eu não via os outros. Era a primeira vez em muito tempo que sentia. A cabeça à tona do rio. O ar a entrar nos pulmões. O toque suave que tem a liberdade quando a palavra se vomita.
Olá. Disse a mim mesma. Em silêncio. Bem-vinda de volta. E a alma pareceu entender que era com ela. Demorando a reconhecer-se. Remergulhando em si para se encontrar, já que desvendar o ser é como dançar, num compasso sem trégua ou pausa. Uma espécie de mar sólido e seco. Cratera. Num agito que é sopro e ventania.
Perguntaram-me se estava bem, porque não falei durante milénios. E eu respondi sem palavras. Já as tinha gasto. Expliquei. Mas expliquei por gestos. Colocando a mão num rosto. Tomando-o num beijo. Despindo a roupa. Despindo o pudor. Amando.
Quis dizer Amor. Apercebi-me de que já tinha gasto essa palavra, juntamente com todas as outras. Tatuei-a para que ficasse lá. Na camada cutânea. Porque me pareceu triste que o amor tivesse o destino de cada palavra dita e de todo o pensamento inaudito.
Fui outra vez. Eu. Uma espécie abismo. Porque todo o abismo é escuridão em altura. E eu ainda tenho muito espaço para voar antes do impacto. Fui outra vez. Eu. Uma espécie de projeto. Porque sonhos são pequenos fragmentos de impossível, criados para quem quer inconcretos. E eu estou farta. Descobri-me farta. Quero só improváveis porque os impossíveis cansam as almas de ciência. Para mim, conquista ou falha. Deixem a ilusão para os Narcisos. Eu. Uma espécie de semente. Que rasguei e rompi e saí do chão. Depois de caída no chão. Depois de deitada ao chão. Depois de todas as lágrimas que me foram rega.
Fica lá. Algures. Até ao mergulho. Não dizemos isto nem coisa alguma que se lhe pareça. Somos corpos-eco a andar nas mesmas ruas que as máquinas. Pessoas artificiais roçam-nos os braços por entre as multidões. As outras dão-nos um choque elétrico no contacto indesejado. Reconhecemos – em gestos – esses ecos silentes. Respondemos – em gestos – porque as palavras estão gastas.
Ocasionalmente, na noite. Enlaçamos as línguas e falamos boca-a-boca sobre como foi renascer. Renascer é – segredamos em gestos – sentir todas as dores do parto para nos darmos a nós mesmos. Embalamos os nossos pequenos e renovados “eus” à luz da lua.
Não é mancha. Nem sombra. Nem corte. Nem tatuagem. Mas a lua faz brilhar o gesto. Reconhecemos a essência. E vamos gritando. Assim. Rompendo a terra. Estendendo braços ao céu. Desvendar o ser é como dançar, num compasso sem trégua ou pausa. E eu ainda tenho muito espaço para voar. Antes de.
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