terça-feira, 2 de maio de 2023

Um pouco de tudo

 


Não se enganem. Eu vou ser um pouco de tudo. E, depois, vou ser a melhor pessoa do mundo.

 

 

Sobre mim? Sobre mim hão de criar muitas teses. Muitas delas não serão publicadas. Algumas serão. Das que serão, algumas – poucas – serão entendidas como sendo sobre mim. Essas afetarão algumas almas. Serão ignoradas por outras. No fim, o sumo que sai dessa fruta é muito escasso.

 

Dirão que sou manienta e rude. Obstinada. Arrogante. Falsa. Dirão que tenho ideias mirabolantes sobre a Vida, a Morte e o Amor, mas que não sei viver nem amar e que morrerei mal, de certeza, porque nunca fiz nada da maneira indicada ou coerente... e não será na hora da morte...

 

Vão dizer que eu fiz muitas coisas. Algumas fiz. Ah, se fiz! Fiz mesmo! E algumas fiz de propósito, outras sem querer. Algumas porque as situações me levaram a isso, mesmo se eu não queria fazer o que fiz. Outras porque o manual de sobrevivência vinha antes da Bíblia dos outros e eu também nunca quis saber realmente qual o papel que os outros usam na casa de banho... ou o que ele diz.

 

Tenho a certeza de que algumas pessoas também irão confundir-me com a Matemática e dizer que sou difícil. Difícil, na atualidade, é nome de uso corrente para todas as pessoas que o são. Pessoas. Ao contrário da Matemática, eu resolvo os meus problemas sozinha e os limites, principalmente os da minha paciência, não tendem para infinito. Sou difícil e reivindicativa sim. Mas sou-o com muitas coisas que importam mais do que a pequenez do mundo dos outros. Sou-o com guerras e governos e coisas picuinhas, como isto de os media mastigarem a informação como o meu médico gostaria que eu mastigasse a comida. Mas, se engulo o bolo alimentar com pouca mastigação, compenso-o justamente na dificuldade. Essa, de engolir as palavras dos outros.

 

As vozes que se erguem sobre mim não são mais do que o reflexo das palavras mastigadas para outros engolirem. E eu serei a manienta e a rude, a obstinada, a falsa, a puta, a déspota, a tirana, a louca, a problemática... serei aquela que fez e aconteceu e teria feito e acontecido. Serei.

 

Eu vou ser um pouco de tudo, meus amores. A manienta e a rude, a obstinada, a falsa, a puta, a déspota, a tirana, a louca, a problemática... mas também ignorante, imbecil, presunçosa, rasca... monstro. Sim. Monstro. Como disseram à minha mãe que eu viria a ser, estava eu ainda em tenra idade.

 

Eu vou ser um pouco de tudo. E, depois, vou ser a melhor pessoa do mundo.

 

Quando eu for a melhor pessoa do mundo, já não estarei cá para ouvir. Felizmente. E quem ouvir vai irritar-se porque sabe. Sabe que nunca fui a melhor pessoa do mundo, principalmente nas vozes que agora querem dar-me no céu o lugar que eu vivi a evitar.

 

 

Enquanto fui tudo o que não era, lutei. Lutei sabendo que nunca veria a diferença no mundo. Mas que, como sempre insisti, queria fazer parte dela.

 

 

Ninguém saberá que fiz parte dela.

 

As pessoas vão dizer. Que fui a melhor pessoa do mundo.

 

Não sou.

 

E elas só o dirão porque são espelho de tudo o que me chamaram primeiro.


   Marina Ferraz




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