Eu e o meu computador temos um ritual. Uma luta inglória. Uma espécie de discussão entre homem e máquina, em que inevitavelmente perco. Vencida, mas não convencida, lá acabo por me levantar. É difícil levantar, às vezes.
Esta história começa nos 20% de bateria. A tela iluminada perde parte substancial da sua luminosidade. O pop-up pula para o meio do ecrã. Explica - como se eu não tivesse percebido - que está em modo de poupança de bateria. Digo-lhe que também estou, como se isto fosse uma conversa num grupo de apoio. Uma demonstração de empatia ou de falta dela. Aquele típico não és só tu que tens problemas.
Só que, ao contrário de mim que sou independentemente problemática, o computador lembra-me de que se baseia em modelos numéricos com frequência. E, como a Matemática, fica à espera que eu lhe resolva o problema. Quer comer. Quer ter energia. Não se cansa de me dizer que devia ligar o computador à corrente. Insiste tanto que, por vezes, pensando que deixei o cabo na mochila, na entrada, lhe digo: Aguenta-te! O cabo está na China... se eu for buscar o cabo, é para te enforcar com ele!
Sim. Poderia dizer-se que temos problemas quando começamos a falar com o nosso computador. Mas é um problema maior ainda quando ele começa a responder. Quando damos conta, as redes sociais estão repletas de anúncios de cabos e cordas e viagens para Pequim. Um olhar em redor, para tentar encontrar a escuta. A minha carreira na política - que ainda nem começou – não pode ser, deste modo, precocemente destruída com gravações indevidas!
Tento continuar a trabalhar. Ou a procurar alternativas. Ou a ver qual foi a conta que chegou esta semana por parte das Finanças ou da Segurança Social e exatamente quão na merda vou ficar quando as pagar, e à renda, e aos serviços. Logo o computador me placa, numa luta corpo a corpo, lançando um novo pop-up. 10% de bateria. Para continuar, ligue o seu dispositivo à corrente. Como quem diz, paga a conta da Luz ou nem terás meios de verificar exatamente quão fodida estás por causa do capitalismo.
Dos 10% aos 5% de bateria, eu e o meu computador vivemos um momento à Velho Oeste, com banda sonora dramática e tudo. Discutimos sobre quem tem menos energia. E, mesmo continuando a achar que sou eu, lá acabo por me levantar.
É difícil levantar, às vezes. Digo-lhe. Sou portuguesa. Hoje em dia, para me levantar, não é só do sofá, é do fundo do poço...
Enquanto o ecrã retoma o brilho e o queixume dele se dissolve, penso que, já que estou levantada, poderá ser um bom momento para fugir, pegar em todo o dinheiro que sobra destes pagamentos e simplesmente sair em viagem até que ele acabe.
Penso que seja suficiente para ir até à Amadora, se voltar de boleia.
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