Dizias sempre que eu levava muito peso. Que eras um peso. Ainda te lembras?
Deixava-te ficar mesmo na orla da praia. Espera por mim, um bocadinho. E lá voltava para trás, pela estrada de areia prensada, à procura de um lugar para o carro.
A Praia de São Julião era uma das tuas favoritas. Até te apaixonares, como eu, pela Adraga. Não importava se era numa ou na outra... Deixava-te lá. Mesmo pertinho da areia. E ia estacionar. E voltava. Carregando o chapéu de sol, a tua cadeira de praia, as duas toalhas, o saco com a merenda e os protetores solares. Um livro – quantas vezes de poesia, para ler para ti? – e mais o que fosse preciso.
Alcançava-te. Sorrias-me, ao veres-me chegar, como se não me visses há muito tempo. E eu sabia que tinham sido apenas alguns minutos. Mas olhavas-me assim. Com esses olhos pequeninos e escuros, atrás das lentes grossas dos óculos amarelados. E eu sorria de volta, sentindo-me o centro do mundo.
Colocava o peso inteiro num dos braços e dava-te o outro. Agarravas-mo. Mas fazias isto sempre com a mesma relutância. Dizias que eu levava muito peso. Que eras um peso. E eu assegurava-te de que estava bem. Porque estava. E que não pesava assim tanto. Era mentira.
A verdade era outra: tudo aquilo pesava duas toneladas e meia. E, mesmo assim, eu seguia a pensar que me tinha esquecido de alguma coisa de que podias precisar. Os teus passos eram lentos e morosos. Pesavam-me mais no braço quando deixávamos o passadiço e palmilhávamos a areia. A verdade era esta: tudo aquilo poderia pesar o dobro e eu ainda o faria com o mesmo amor. O peso era leve, porque era teu, por ti... e eu amava ver o teu sorriso na contemplação da praia, do mar, das arribas. E eu amava a tua voz, dizendo: já não pensei que visse isto. E eu amava pousar a cabeça no teu colo morno do sol, sentir o carinho dos teus dedos entre os fios desgrenhados do meu cabelo. Sentir esse amor incondicional.
Atravessar a praia pesa-me mais sem ti. Às vezes, quando piso a areia. De carteira no ombro e telemóvel no bolso, sinto falta de todas as trouxas e do peso quente do teu corpo. Gostava de ainda ter de carregar, pela areia, essa carga que me deixava as pegadas fundas, ao lado das tuas.
Mas o peso esvaece. Mesmo hoje.
Sabes? Às vezes, olho para o lado, à procura das tuas pegadas. Não as vejo. E lembro a parábola triste do descrente. Como não sou católica, não pergunto porque me abandonaste. Agradeço simplesmente, porque sei... Agora és tu que me levas ao colo.
Sinto-me leve. Como me sentia quando ancoravas o corpo no meu corpo carregado de tralha. E avançávamos juntas pela areia de toda a nossa cumplicidade.
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