Querem que eu saia de casa como as borboletas saem dos casulos. Naturalmente e sem fazer alarde. Aguardando que o céu traga novas aventuras. Aventuras frugais. Querem que o meu ir seja um ir como os outros vão. Trazendo para contar aquela história engraçada e os relatos das paisagens, dos monumentos, da multiculturalidade e do exótico.
E eu continuo a voltar para o casulo. Parece que há vontade inerente de ser a lagarta de asas comprimidas. Talvez seja cultural. Um conforto português. Esse. De viver com as asas comprimidas...
Só que, a cada viagem, acontece o mesmo. Não caibo no casulo de onde saí. Já não caibo nesse casulo há muito tempo. E esteve tudo bem enquanto ficava uma perna de fora. Ou um pé. Ou o nariz. Só que a mão e a boca são muitas vezes soberanas nessa arte de ficarem desalojadas... traço também luso, este de longa tradição. Não sei muito bem como não criticar o meu país. E não sei parar de amá-lo, ainda que a relação seja claramente tóxica.
Não tenho aquela história engraçada. Os relatos das paisagens, dos monumentos, da multiculturalidade e do exótico. Ou tenho. Na verdade tenho. Só não tenho vontade de falar sobre eles.
Apetece-me falar sobre os
transportes públicos gratuitos. Sobre o respeito pela Natureza. Sobre os
festivais em prol da inclusão. Sobre a bandeira LGBTQIA+
hasteada à frente de um dos principais monumentos da cidade. Sobre a ligeireza
das pessoas.
Não me fica
a vontade de ficar noutro canto do mundo, mas a vontade de mudar o meu canto. A
utópica vontade de mudar o meu canto. Esse onde o único transporte gratuito é o
que leva as pessoas para a miséria e o inferno dos dias. Onde se arrancam e
cortam e queimam as árvores. Onde se atacam estrangeiros. Onde se discutem os
danos que tem iluminar o parlamento com as cores do arco-íris. Onde as pessoas
caminham encurvadas, soturnas, tantas vezes com o peso do mundo. Fico com
vontade de mudar o meu canto. E o meu casulo fica mais pequeno. Mais
desconfortável. Se já era miúdo para mim, imaginem para mim e a utopia...
Então busco a compensação. Relatos. Aquela história engraçada. Vem à memória a prova de vinhos da Geórgia. Valha-nos a abençoada prova de vinhos. É preciso que a haja, para recordar Amália. Dar de beber à dor. Encontrar a forma cordial de dizer “nah...”.E lembrar a opinião realista, sorrida, no verter do copo: eu sou portuguesa, temos muito bom vinho.
Temos. Temos bom vinho. E pouca vontade estar sóbrios perante a dificuldade permanente.
Raios, lá vou eu outra vez...
Continuo a voltar para o casulo. Esse, no qual não caibo. Continuo a amar o meu canto. Esse onde as condições escasseiam. Ainda quero (estar com) o meu país. Mas a cada voo, eu sei – e não posso des-saber – esta é uma relação tóxica. E talvez morra disto... cedo. Como as borboletas depois de saírem dos casulos.
Se quiserem adquirir o meu livro "[A(MOR]TE)"
enviem o vosso pedido para marinaferraz.oficial@gmail.com
Sem comentários:
Enviar um comentário