Há uma pergunta de rasteira para escritores. Qualquer entrevista de cinco minutos e lá está ela... Resplandecente. Quais são as suas referências literárias? Pergunta aparentemente simples e que deveria ser de resposta igualmente natural. Só que não é! Nunca é!
A pergunta surge. Reviro mentalmente os olhos, tentando fisicamente mantê-los presos no meu interlocutor. Tento não lhe dizer que eu sei que é a pergunta da praxe. Se eu estivesse ali por causa do stand up perguntaria certamente quais os limites do humor. É o bê-á-bá das entrevistas. Parece que, com ou sem curso, todos estudam pela mesma cartilha.
A pergunta surge. É também mentalmente que movo com desconforto o corpo inerte. E é mentalmente que estalo os dedos quietos. E, talvez por estar mentalmente a espancar o jornalista, enquanto permaneço tranquila e serena na cadeira, o meu cérebro recusa-se a lembrar-se de referências válidas para apresentar como resposta.
É um fenómeno incrível. Li vários clássicos da literatura portuguesa e estrangeira, assim como alguns nomes contemporâneos que certamente ficarão para o cânone. E, naquele momento, o meu pensamento povoa-se de vazio, como se listar alguns autores fosse, de súbito, uma prova de física quântica.
Sabendo que a pergunta viria, seria bom ter preparado uma resposta eloquente, mas despretensiosa, que não me fizesse parecer uma idiota iletrada. Mas perdoo-me a falha de acreditar – de todas as santas vezes – que a pessoa que fará as perguntas terá a sanidade e bom senso de não repetir a mesma pergunta que toda a gente faz a toda a gente que escreve.
Passam-me pela cabeça, finalmente, alguns nomes que marcaram a minha jornada como leitora. Tento identificar, de entre eles, aqueles que me foram referência. E filosofo durante alguns segundos sobre o que raio querem as pessoas dizer com referência. Querem saber o que eu li? Quem me influenciou? Quem são as fontes de inspiração da minha escrita? Parece simples, mas não é. Porque gostar de um autor e ser influenciado por ele é muito diferente. No rescaldo destes pensamentos, sobra a enumeração do costume.
Florbela. Saramago. Pessoa. Eça. Sophia. Penso que poderia estar a fazer a listagem do óbvio, à medida que o menos óbvio começa a sair. Roger Wolfe. Bohumil Hrabal. E sei, no meu âmago, que cada leitura me ajudou a construir o eu que eu sou. Mas não sei se alguma delas influenciou o meu trajeto na escrita. Não sei se estas leituras incentivaram mais a minha escrita do que a mão da minha avó ajudando-me a traçar as primeiras letras, ou do que a paciência da minha mãe que inventava histórias com coelhinhos que andavam, andavam, andavam...
Tento explicar isto. Com humildade e despindo-me da temida presunção de nomes que me suplantam: Eu sou fruto das minhas leituras e da minha história de vida. Dos meus encontros. Das minhas perdas. Do meu caminho... A minha literatura também.
Há o risinho polido no fim da explicação. A felicidade da vitória com a pergunta de rasteira do costume. Como se colocar-me no lugar de ser eu fosse, de algum modo, uma forma de me baixar a um patamar feito para autores de segunda. Logo eu que sou, como sabe e bem quem segue o meu blog, mais autora de terça, de adega, de quando calha...
Sou quem sou e recuso-me a considerar que isso determine o meu valor. Não é isto que digo. Digo antes que me considero uma contadora de histórias. Que cada pessoa é uma história. Que toda a gente me inspira. Que gosto de romancear a vida, de a ficcionar...
Olha-me, condescendente e
diz: A
Marina é a Marina. Essa é que é essa...
Sorrio. Ainda bem que não me sabe humorista, porque literalmente não me interessa qual o limite do humor... Respondo:
É! Eça é que é Eça! Eu certamente não escreverei “Os Maias”!..
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