A minha alma gémea é menina mas caminha já, com passos
largos, para a mulher que será um dia. Tem o rosto carente e o olhar solitário.
Chora com facilidade e nem sempre responde no tom mais educado do mundo. Além
disso, intempestuosa e irritável, faz fita e grita contra os ventos antes de
dar a quem quer que seja a hipótese de justificar porque é que a vida nem
sempre corre como se espera.
A minha alma gémea é alta e esguia. Tem corpo de bailarina
porque o trabalha assim, em passos e pontas. Faz-se de forte para esconder a
sensibilidade. Faz-se de fraca para conquistar nos outros a simpatia. É exigente com o mundo e ainda mais exigente
para consigo. Não aceita as derrotas. Não aceita o segundo melhor lugar.
Ela ainda não fala de amor, embora o sinta. Sente-o, é
claro, naquela dimensão infantil de "gosto de ti". Mas não fala de
amor. Diz apenas "ohs" e "ah huns" que se transformam em
sorrisos tímidos e ecoam pela casa, seguidos de risos nervosos. Ela não sabe se
quer amar, talvez porque tenha aprendido, em olhares perspicazes, que, no amor,
não há vencedores e vencidos, não há primeiros lugares.
A minha alma gémea gosta de música e filmes. Não entende de
política e economia. Evita os telejornais e as conversas sérias, com um revirar
de olhos e uma mudança de divisão. É vaidosa e pinta as unhas mais vezes do que
as necessárias, de volta em vez, camada em cima de camada, um dedo de cada cor.
E combina com os arcos-íris das suas mãos os brincos espampanantes que
sobressaem e gritam por entre os caracóis louros e desfeitos que não consegue
domar.
A minha alma gémea apaixona-se com facilidade pela imagem
utópica de um futuro nas artes. E faz planos a dois, comigo, como se eu e ela
pudéssemos ficar juntas para sempre. As frases para amanhã começam por
"nós". Inclui-me, como quem não o nota, em cada plano. Não concebe
que a realização dos seus sonhos possa estar num lugar onde eu não esteja. É
dependente de mim. Não mais do que eu dela. Na mesma medida. É um contrato
implícito: eu ensino-a a sonhar e ela dá-me um motivo para viver. Eu ajudo-a a
viver e ela segura-me os sonhos quebrados, fazendo dos sonhos dela também os
meus.
Ela não faz sentido. Passa da pessoa mais doce à pessoa mais
cruel. Da pessoa mais educada à mais respondona. Da mais trabalhadora à mais
preguiçosa. Passa do riso às lágrimas. Do choro ao sorriso. Intercala facetas e
humores com uma agilidade tão louca que se torna impossível acompanhá-la.
A minha alma gémea quer tudo e quer tudo ao mesmo tempo. Não
se contenta com fragmentos de felicidade. Não tolera a injustiça. Vive num caos
muito próprio e entende-se nele como ninguém.
Não! A minha alma gémea nunca será entendida pelo mundo. Mas
quando me vê abre um sorriso e quando sorri faz-me sorrir também. A minha alma
gémea não é um rapaz qualquer que me conquistou o coração e partiu, deixando
mil textos e mil tristezas. É uma menina, a caminhar em passos largos para a
mulher que será um dia. E, timidamente, eu sigo-lhe os passos, à espera desse
dia. Com a amargura velada de perder nela a criança, o orgulho desmedido de
poder vê-la crescer e a certeza infinita de que ela será para sempre a minha
alma gémea.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
PODERIA DISSER DESLUMBRANTE ENCANTADOR....COMO SEMPRE O TOQUE BOM,SENCIVEL EM NOSSA ALMA
ResponderEliminarGosto sempre desta sencibilidade que toca ate a pele...meu carinho...texto lindissimo profundo parece que lemos um livro...
ResponderEliminarBelo... como sempre :)
ResponderEliminarParabéns Marina
Teresa Carvalho
Amei querida,as palavras são tão fortes e fazem do texto simplesmente magnifico :D
ResponderEliminarParabéns,beijinhos Jenny ♥
Um texto que gostei bastante,um dos melhores que já li.
ResponderEliminarGostei Marina,está arrasando :)
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