Ele tinha aquele ar gingão de moço perdido na vida. Ela
podia ter saído da capa de uma revista de moda. Ele usava um blusão roqueiro e
botas de tropa. Ela andava de vestido e saltos altos. Ele tinha o semblante
fechado, uma cor doentia, um sem-fim de traços negros na expressão. Ela sorria.
Andavam nas mesmas ruas. Ele não tinha medo de nada. Ela
tinha medo de quase tudo. As pessoas desviavam-se dele e ficavam a olhar para
ela. Aprovavam-na e reprovavam-no com a mesma rapidez. Ela era meiga. Ele era
rude. Ela amava o sol na pele. Ele preferia a chuva.
Tinham vidas
diferentes. Ela morava na cobertura do prédio mais alto da cidade. Ele morava
num quarto arrendado na baixa. Ela tinha os pais à espera, na hora do jantar.
Ele jantava à frente dos videojogos. Ela estava na universidade. Ele tinha
desistido dos estudos havia muito tempo.
Amanhecia. Ela acordava cedo. Ele ainda não se tinha
deitado. Com um espreguiçar leve, ela comeu um croissant misto e bebeu um sumo
natural de laranja. Ele tomou a ultima cerveja e deitou-se vestido sobre a
cama. O dia começava para ela. O dia acabava para ele.
Era tarde quando ele acordou. Ela estava nas aulas. Ele
tinha a pele marcada por dezenas de tatuagens, interligadas. Ela tinha a pele
imaculada. Ele apanhou do chão a roupa
amarrotada e trocou a que tinha vestida por aquela. Ela tinha optado por
usar calções e uma blusa passada a ferro, que ainda cheirava ao detergente de
jasmim.
Saíram. Ele foi ter com um amigo e ficou a vê-lo grafitar a
parede de um prédio, enquanto bebia uma cerveja. Ela correu para a aula de
dança. Ele gostava de arte urbana. Ela era apaixonada por arte clássica. Ele
também. Gostavam os dois particularmente de pintura. Ela amava a fase azul de
Picasso. Ele preferia o surrealismo de Dali.
Naquele dia, ele estava a fumar na esquina. Ela estava a
sair da aula de ballet. Cruzaram-se. Ele tinha olhos azuis. Ela tinha olhos
verdes. Olharam um para o outro. Prenderam o olhar por um momento longo demais.
Ele tinha tempo. Ela também. Deram as mãos. Falaram. Apaixonaram-se. As pessoas
comentaram. Eles ensurdeceram para o mundo. Aproximaram os rostos. Escreveram
um conto de fadas.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Gosto muito destas "histórias" que escreves. :) Devias continuar a apostar neste estilo!
ResponderEliminarTomara que fosse tudo tão fácil assim na vida real.. Vale a pena sonhar :)
ResponderEliminar