"Somos poeira de estrelas." (Carl Sagan)
Poeira. Há apenas poeira no caminho. Memórias que se
desintegram e vão no vento. Um passado desfiado, desfeito, reduzido a poeira.
O tempo. Andando sempre na mesma direcção. Fragmentado na
sua plenitude. Incompreensível na sua linearidade. Parece que foi ontem. Parece
que passaram mil anos. Respiro. Penso que morri. Será que morri? Poeira. Poeira
lenta de ponteiros irrequietos. Poeira baça, tiquetaqueada, desajustada.
Fotografia. Sobre a mesa. Sob a camada densa de poeira que
fica entre o olhar humedecido pela saudade e a incapacidade de estender a mão
vazia. Os sorrisos. Poeira. Todos eles rasgados pelo adeus. E a fotografia.
Poeira. Grão de poeira. Memória isolada de uma felicidade que não tem lugar.
O dia. Poeira. O nascer do sol por entre os buraquinhos
ovais dos estores. Poeira. Cintilando como purpurina nos primeiros raios de
sol. A minha insónia. O tempo. A fotografia. A luz do sol a rasgar-me a solidão
acordada. Poeira.
Há apenas poeira. No chão, na cama, na mesa, na memória. No
sono que não vem. No sonho que não vai. Poeira. Há apenas poeira.
Há perguntas sem resposta. Também elas são poeira. Ausências
fugazes. Corações furtados na demora de tempos que não regressam. Instantes
captados pela lente. Desfocados. Sorrisos empoeirados e vazios de sentido,
abertos para dar a ideia de um mundo que nunca existiu fora da ilusão
construída grão a grão. Com grãos de poeira.
Mentiras. Poeira. Atiram poeira para os olhos cegos. Tudo é
ilusão. O tempo que passa. A memória que desvanece. O amor que cessou. A tua
vida. A minha. Os sorrisos. O Universo. Poeira.
Fazemos todos parte de um tudo que não é nada. Não definimos
o nada com medo das definições. Não concretizámos o tudo por mera incapacidade.
Poeira. Não há nada além de poeira no caminho que nos leva
da vida à morte. E morrer é voltar para casa.
O tempo. O relógio. A fotografia. A memória. As perguntas. A
mentira. A insónia que me faz ver a poeira esvoaçar no primeiro raio dourado do
sol nascente.
Poeira. Há apenas poeira. Somos apenas poeira. Não
significamos nada nos meandros da infinitude do Universo. Somos apenas poeira.
Não sou ninguém. Não és ninguém. Não somos nada. O tempo. A
fotografia. A insónia. O coração que dói, macerado no peito. É apenas poeira. É
tudo apenas poeira. Então, porque é que dói tanto?
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Poeira... adorei o que li .
ResponderEliminarAcredito sim em muita coisa que aqui li no seu blog, e adorei !!!