“La muerte, la muerte”. Era o que ouvia. Caía-lhe dos
lábios. Com peso de pedra. Gritado. Um grito que parecia ter ficado preso na
garganta. Entalado. Tempo demais. E a voz rouca e sofrida, com ecos desse
anteontem engasgado. Inquietude. “La muerte”. Sabor acre do veneno sensaborão
dos dias que passavam na boca onde havia dentes podres e estas palavras: “La
muerte”.
Não tinha pernas. E agitava os braços. Não havia intento. Se
alguém lhe lançava uma moeda, soava o grito. “La muerte”. Era só o que pedia.
Não queria nem comida, nem dinheiro, nem palavra. Na sua esquina vendia-se
apenas sujidade e não se pedia esmola. Os olhos, claros de cegos, prendiam-se
ao céu como se o vissem. E furavam a multidão. Furavam as roupas, as peles e as
carnes. Chegavam aos ossos, que roíam com as palavras: “La muerte!”.
E atravessavam as ruas pessoas em passo de fuga, não fosse o
homem sem pernas persegui-las até ao infinito conforto dos seus lares. Temiam-lhe
a imagem. Mas mais as palavras. “La muerte”. Ninguém quer ouvir falar da morte.
Como se, a cada menção, o lembrete da efemeridade provocasse chagas pelos
corpos. Uma queimadura constante na recordação passiva de que somos apenas
carne à espera de apodrecer sob as camadas arenosas da terra movida.
“La muerte, la muerte”. Mesmo na rua vazia, a voz soava. Uma
solidão que se fazia aviso. E um aviso que não passava de oração. Tinham-lhe
tirado as gentes. As pernas. Os olhos. A dignidade. E, por tanto tempo, a voz.
Naquela esquina da rua, invocava o direito à voz. E era a voz que elevava já
para pedir a morte em vez de esmola.
Quando morreu, ficou a parede grafitada. E nela alguém
escreveu “La vida”. Mas ainda se ouve na rua. Não tem olhos. Nem pernas. Nem
braços que agite. Nem voz que erga. Mas ainda se ouve. Mais claro. Mais alto.
“La muerte”.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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