Quando eles saíram, ela entrou. Esgueirou-se pela porta, à
medida que eu a fechava. Entrou pela fresta. Não notei de imediato. Ao entrar,
ela ainda não era mais do que um grão de poeira. Esgueirando-se pelo espaço
entreaberto da porta que eu fechava atrás de mim, depois de os ver ir, com
acenos de mão e sorrisos nos rostos.
Quando eles saíram, ela entrou. Provavelmente, se eu
soubesse, não a teria deixado entrar. Mas não sabia. E, inconsciente de tudo,
quase lhe estendi o convite para que, entrando, se instalasse, também, nos
locais mais recônditos de mim. Não o fiz. Ela não precisava que eu fizesse. Da
minha casa fez a sua. Não se importou com os conceitos de privacidade nem com a
invasão do espaço. E eu, que nem a tinha visto entrar, fiquei, aos poucos e
poucos, ciente da sua presença, que se colava à sola do sapato e alastrava pelo
chão, pelas paredes, pelo teto. Que se fazia subir pelas minhas pernas, se
agarrava ao meu ventre, perfurava as minhas entranhas e se alojava no meu
peito.
Quando eles saíram, ela entrou. Não se limitou aos recantos
da casa e aos recantos de mim. Fez-se conquistadora do inconquistável e
perfurou os limites do corpo até me tocar na alma e mergulhar nos meus sonhos.
Já não era mais pequena do que um grão de poeira. Era maior do que o Universo e
simultaneamente una com as mais pequenas partículas de imensidão. Do seu carácter,
fiquei a conhecer o negrume feio e saudoso, que imaginei poderem pender, feito
muco, do canto dos seus risos histéricos e vibrantes.
Quando eles saíram, ela entrou. E, ao tomar de assalto a
minha vida, ela decidiu que era hora. Era chegado o tempo de convidar outros a
entrar, para que pudessem provar os melhores vinhos da casa e as melhores
lágrimas dos meus olhos.
Quando eles saíram, ela entrou. A solidão. E ficou por ali,
a celebrar, no meu peito, com a tristeza e a saudade e o desalento. Fizeram uma
festa no meu peito, até a noite cair. E, quando a noite caiu, decidiram
prolongar a celebração no meu peito, intensificando mais e mais as batidas
rítmicas da dor.
Um aceno. Um sorriso aberto. O contentamento fugaz. A porta
que fecha.
Cumprimento o vazio. Quando eles saíram, ela entrou.
Um suspiro. Uma porta aberta. A solidão que persiste. Um
sorriso que fechou.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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