Nota: Designa-se por Monstro todo o indivíduo que, de forma
voluntária ou por influência de factores biológicos, anímicos ou externos ao
mesmo, seja incapaz de se adaptar e/ou integrar na norma social e serve o
presente guia para determinar as normas inerentes à conduta do mesmo. A correcta
utilização deste guia, bem como a aplicação prática das suas propostas
comportamentais poderá ser uma mais-valia no sentido de minorar o dano provocado
pela diferença intrínseca do Monstro, ajudando-o a camuflar-se no seu meio
social, simplificando, desta forma, a vivência das pessoas e reduzindo o risco
de isolamento e segregação do indivíduo desviante.
1. Aceitação - Primeiramente, por forma a permitir a
convivência com as pessoas do mundo, o Monstro deve aceitar a sua condição
inferior e, assumir, na sequência desta aceitação, uma conduta de
subalternidade. O Monstro deverá, portanto, ser o primeiro a ceder, levando,
muitas vezes, a maior parte do trabalho e distribuindo o crédito do mesmo pelas
pessoas com as quais, em dado momento, faz parceria. Embora o trabalho do
Monstro possa ser (e muitas vezes seja) de qualidade igual ou superior ao de
terceiros, este não deverá esperar igual reconhecimento ou recompensa. A
qualidade do trabalho apresentado deverá constituir, por si só, motivo
suficiente para ânimo e incentivo, sendo raro, por parte de uma pessoa, a valorização
de trabalhos realizados por aqueles que constituem a minoria. Tratando-se de um
ser socialmente estranho e marginal, o Monstro não deverá, em situação alguma,
enfatizar os pontos nos quais se destaca, sob o risco de destacar também,
durante esse ímpeto de vaidade, a diferença manifesta que o separa dos outros e
de contribuir, portanto, para a sua própria segregação.
2. Cognoscência e opinião - O Monstro reserva-se o direito
de pensar o que quiser, contando que o faça em silêncio. Os seus pensamentos
devem ser recatados. Especialmente quando expressam opiniões divergentes e
concretas, devem ser domados, confinados e mantidos nos recantos seguros das
suas entranhas, onde não podem ferir susceptibilidades. A referência, ainda que
velada, dos pensamentos que cria poderá originar fortes cesuras por parte das
gentes circundantes uma vez que, frequentemente, as pessoas comunicam sob um
conjunto reduzido e formatado de códigos lacónicos, lugares comuns e clichés
sociais, nos quais opiniões concretas, dissidentes e reveladoras de qualquer
tipo de personalidade não padronizada se excluem. Os pensamentos do Monstro
deverão, portanto, ser dissimulados, por forma a criar um espaço de integração
social para o mesmo.
3. Diagnóstico e dissimulação - O Monstro deve encarar a sua
condição, reconhecendo a sua diferença intrínseca como sintoma crónico de uma
doença cuja cura se encontra, ainda, em fase de desenvolvimento. Não podendo
recorrer ao sistema de saúde para, através dele, obter uma qualquer vacina
milagrosa, deverá ingerir, através dos meios tradicionais - revistas, jornais,
televisão, rádio e Internet - modelos que o ajudem a compreender a norma e a
imitá-la. A utilização frequente destes meios poderá ser um incentivo à
integração social do Monstro, uma vez que revela frequentemente as prioridades
sociais e reduz em grande medida o pensamento crítico. Ao conhecer melhor a
fracção reduzida de opiniões e temáticas sob debate, o Monstro poderá construir
um conjunto de respostas-base que servirão nas suas conversas quotidianas,
afastando-o da mal-afamada honestidade o que caracteriza. Os meios referidos
poderão ainda exercer um forte papel no sentido de orientar o Monstro no que
respeita ao seu posicionamento político e religioso, ajudando-o a integrar as
comunidades maioritárias e a criar, desta forma, um sentido de pertença. É
ainda de salientar que, embora alguns livros sejam também um bom meio de
aprendizagem e tratamento, estes se tratam de instrumentos mais perigosos do
que os media tradicionais, uma vez que, por vezes, os seus autores se integram,
também, na categoria "Monstro", inscrevendo nas suas obras ideias
inovadoras e/ou críticas que, pelo risco de criarem inteligência, conhecimento
e/ou estruturas desafiadoras da manutenção dos padrões, são fortemente
desaconselhadas.
4. Direitos e deveres - Tratando-se o Monstro de um ser
desviante, este deverá compreender que a sua vivência será também modelada
segundo um conjunto diferente de direitos e deveres. Aos deveres que comummente
se atribuem às pessoas, o Monstro soma um conjunto de outras. Essas
"outras", orientadas para o fingimento e a adaptação criarão ou não,
as estruturas necessárias para que o Monstro seja também detentor de algum tipo
de direitos. Os direitos do Monstro serão, portanto, proporcionais à sua
capacidade de camuflagem social e ao grau de diferença que mantém.
5. Essência ou isolamento - O Monstro deverá compreender
que, seguindo os passos do guia, poderá, com facilidade, esbater a diferença
que o separa das pessoas. No entanto, sendo essencialmente e como a própria
identificação refere, um Monstro, é provável que o individuo desviante sinta
uma profunda necessidade de se manter igual a si mesmo, enfrentando a sua
própria identidade no sentido de a sustentar. No caso de total incapacidade de
camuflar a sua real personalidade, o Monstro deverá, portanto, remeter-se à sua
insignificância e criar um canto de isolamento. Esse canto, muitas vezes
designado como "o seu mundinho" ou "um planeta aparte" será
o seu espaço seguro e o único no qual poderá sentir-se integrado mas,
ocasionalmente, o Monstro poderá também optar por agarrar no papel e, como eu,
fazer dele confidente, apenas para relembrar ao mundo exterior e cheio de
personalidades uniformes e vazias que, embora ele seja um Monstro, são as
pessoas que são ridículas.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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